6.2.1 Tecnologias Digitais utilizadas durante a Pandemia pelos Professores

6.2.1 Tecnologias Digitais utilizadas durante a Pandemia pelos Professores

 

Na Dimensão 2 do questionário dos professores intentou-se recolher dados sobre as TD utilizadas durante o ERE na pandemia da Covid-19 e a agregação das novas práticas de uso das TD aos processos de ensino e aprendizagem no pós-pandemia.

Nesse sentido, no que concerne ao sentimento de preparação dos professores para transitar do regime presencial para o remoto, em 2020, em uma escala de respostas de 4 pontos (0 = Não estava nada preparado/a; 1 = Estava muito pouco preparado/a; 2 = Estava razoavelmente preparado/a; 3 = Estava totalmente preparado/a), a média apresentada foi de 1,20, com desvio padrão de 0,874 (Tabela 57), denotando um nível baixo de preparação.

Considerando-se que o valor da escala dessa variável se situava entre 0 e 3, definiu-se que valores entre 0 e 1,50 indicam um nível baixo; entre 1,51 e 2,25 indicam um nível moderado; e entre 2,26 e 3 indicam um nível elevado de preparação para o ERE.

Tabela 57

Grau de Preparação dos Professores para o ERE

Grau de Preparação dos Professores para o ERE

N

%

Não estava nada preparado(a) (0)

58

24,4%

Estava muito pouco preparado(a) (1)

86

36,3%

Estava razoavelmente preparado(a) (2)

80

33,8%

Estava totalmente preparado(a) (3)

13

5,5%

Média

1,20

Desvio Padrão

0,874

 

Observando-se os percentuais na Tabela 57, percebe-se que 60,7% dos professores afirmaram não estar nada ou muito pouco preparados para o ERE, enquanto apenas 39,3% dos inquiridos disseram estar razoavelmente ou totalmente preparados para migrar para o ERE. Esses dados ratificam um dos desafios enfrentados pelos professores para atuarem no ERE: a falta de preparo para o uso técnico e pedagógico dos artefatos digitais.

A falta de preparo também foi identificada nos estudos que compuseram a RSL realizada nesse estudo (Aguiar et al., 2020; Cipriani et al., 2021; Drijvers et al., 2021; Friedrich et al., 2021; Galizia et al., 2022; Oliveira et al., 2023; Rocha et al., 2020; Santos & Lacerda Júnior, 2022; Starks, 2022; Vaz et al., 2021) e em pesquisa nacional com professores, realizada no início da pandemia (Instituto Península, 2020).

Fazendo um resgate dos termos utilizados por Prensky (2001), nas narrativas dos professores, tanto os considerados “imigrantes digitais”, que não nasceram na era digital, mas que adotaram seus aspetos, quanto os “nativos digitais”, falantes nativos da linguagem digital dos computadores e internet, reconhecem o despreparo para lidar com os recursos digitais, nomeadamente no início da pandemia, atribuindo-o ao fato de terem nascido antes da década de 1980 e, portanto, não imersos nas tecnologias, e à falta de oferta de formação pelo poder público ou órgãos responsáveis:

Como eu sou de uma geração mais velha, eu tive muita dificuldade. Eu não tinha muito domínio das tecnologias. O governo não deu nenhum suporte nesse sentido de preparar os professores, de forma alguma. Por isso, senti dificuldade em usar alguns recursos. Eu aprendi com os outros colegas. (P1AP, comunicação pessoal, 15 de outubro de 2022)

            Para um colega da mesma escola, aparentemente mais familiar com o uso das TD, a falta de preparo no uso de alguns recursos não constituiu uma dificuldade, embora o tenha feito buscar de imediato autoformação em tutoriais sobre os recursos a respeito dos quais não dominava:

Não senti dificuldade em usar esses recursos. Claro que em toda mudança a gente tem dificuldade, mas eu busquei muitas informações no YouTube e aprendi. Eu fui um pouco meio autodidata nessa busca por essas ferramentas. Eu não esperei formações por parte do estado. Procurei e encontrei algumas coisas bacanas. (P3AP, comunicação pessoal, 1 de outubro de 2022)

Essa falta de preparo no uso das TD fez nascer um sentimento de frustração em alguns professores, chegando a afetar sua saúde: “A princípio, foi desgastante, porque você está aprendendo a fazer, aí você fica meio frustrada, irritada. Você está mesmo sendo escolarizado digitalmente” (P2A, comunicação pessoal, 1 de novembro de 2022); “Tinha professor que estava doente, estava adoecendo porque não sabia como é que ia dar aula remota. Eu não tive isso porque já usava antes” (P3M, comunicação pessoal, 14 de outubro de 2022);

A despeito da falta de preparo, os professores se viram compelidos a utilizar as TD na sua prática pedagógica para efetivar as atividades remotas, tornando-se, assim, usuários compulsórios das tecnologias, espontaneamente incluídos ou “interagidos” (Castells, 2002; Lemos, 2011), o que pode ter conduzido a um uso elementar das tecnologias por parte desses sujeitos.

A falta de preparo técnico e pedagógico para o uso das TD no ERE pode ser explicada pela falta de formação inicial e continuada dos professores para a inserção das TD na sala de aula.

Isto é comprovado pelos dados apresentados na Figura 26, em que se verifica que apenas 52 professores (21,9%) das escolas do RN frequentaram formação sobre TD nos 12 meses que antecederam a pandemia da Covid-19, podendo ser este também um dos fatores determinantes, embora este número tenha aumentado expressivamente durante a pandemia, alcançando 137 respondentes (57,8%) que realizaram cursos para se apropriar dos recursos digitais e estratégias para lecionar remotamente.

Figura 26

Realização de Formação sobre TD pelos Professores Antes e Durante a Pandemia

A comunicação feita por P2AP (Comunicação pessoal, 18 de outubro de 2022) evidencia a relação entre a falta de formação e o despreparo para usar as TD no período pandêmico:

Eu senti bastante dificuldade com as tecnologias. Começando pelo próprio sistema, o SigEduc. Porque a gente costumeiramente utilizava apenas para colocar frequência, conteúdo trabalhado e notas. Os outros recursos do Escola Digital não conhecíamos ainda. Então, não teve uma formação para nos mostrar, pelo menos, que eu me lembre, não. (P2AP, comunicação pessoal, 18 de outubro de 2022)

 

Importa ressaltar que a procura por cursos de formação para utilizar ambientes e recursos virtuais de ensino e aprendizagem nas aulas nunca foi tão intensa quanto durante a pandemia, notadamente no ano de 2020. No estado do RN, as Secretarias de Educação municipais e a SEEC-RN, por meio de seus órgãos de formação continuada, desenvolveram várias ações com foco nas TD com a intenção de preparar os professores para retomarem as atividades escolares, agora no formato remoto.

Além da oferta de formações (cursos, lives, palestras), foram criados portais virtuais com recursos educacionais digitais (Objetos Digitais de Aprendizagem, planos de aula, tutoriais de aplicativos, etc.) e espaços de interação para os professores trocarem ideias e tirarem dúvidas relativas ao uso de aplicativos ou estratégias usadas nas aulas remotas (Tamanini et al., 2021; Tamanini & Souza, 2021).

Entretanto, para o professor P1M (Comunicação pessoal, 11 de novembro de 2022), o estado do RN demorou a oferecer suporte. Na pandemia, sua formação para o uso das TD adveio da rede privada de ensino, em que também trabalhava:

Onde a gente foi coletar o conhecimento sobre essas ferramentas? Em uma semana, a rede privada já jogou a gente dentro de vários cursos para aprender a mexer no Google Meet, no Classroom, no Zoom e outros. E a escola pública, não. Olha a situação... a lacuna, né? Eu lembro que a gente ficou semanas sem receber um feedback do estado, de como é que seria e tal. Aí, quando veio, a gente já estava meio que familiarizado com algumas ferramentas. O bom foi isso, né? Aqueles professores que trabalhavam nas duas esferas, pública e privada, já tinham recebido na privada um certo grau de treinamento para poder aplicar. Só fiz os cursos da rede privada.

 

A intensificação da busca por formação durante a pandemia não se restringiu ao RN, mas alcançou outras regiões do país, de acordo com 63% de educadores (professor, diretor escolar e coordenador pedagógico) do ensino médio de escolas de todo o Brasil que participaram da pesquisa do Instituto Península (2020).

A formação continuada, necessária em qualquer profissão, torna-se imprescindível quando se é professor. É importante, ainda, frisar que a formação continuada não é algo que se esgote em um ou dois cursos de curta duração ou de atualização. É necessário encará-la como uma lifelong learning, um processo contínuo, construído cotidianamente no ambiente escolar e no coletivo de professores, gestores e redes de ensino aos quais os docentes estão conectados.

No que diz respeito à quantidade de formações realizadas pelos professores durante a pandemia, dos 137 respondentes que afirmaram ter realizado formação sobre as TD durante a pandemia, a maioria frequentou de 1 a 3 formações, sendo a frequência dos que fizeram 2 formações a mais elevada (n = 43). Observando a Figura 27, percebe-se uma redução expressiva a partir da 6ª formação, ainda que se encontre um grupo de professores que assinala uma grande adesão a atividades formativas (> 10).

Figura 27

Quantidade de Formações sobre TD Realizadas pelos Professores durante a Pandemia

Do total de professores que buscou formação (n = 137) durante o período pandêmico, 19 deles afirmaram ter realizado formações formais, 57 professores disseram ter feito formações de natureza informal e 61 declararam que buscaram tanto formais quanto informais. Cabe ressaltar que a maioria dos professores demonstrou autonomia nesse sentido, investindo na autoformação. Um dos professores discorreu sobre esse processo impulsionado pela falta de preparo em usar o aplicativo Google Forms:

Eu tive dificuldade inicial com o Google Forms, porque eu não sabia manipular, não sabia criar uma atividade, exercícios. Nada disso eu sabia, eu fui aprender com o YouTube. Aliás, eu usei o YouTube nas aulas também. O YouTube serviu de apoio para mim. Eu fui lá procurar vídeos em que alguém ensinasse a criar formulário no Google Forms. E aí eu aprendi e comecei a mandar atividades para os alunos através do Google Forms. Cometi erros também, algumas vezes, porque no início eu pensava que tinha que dar resposta individual. Aí, eu colocava o e-mail do aluno, aí dava problema. O aluno dizia: “mas eu tentei responder!”. E o outro dizia: “Ah, mas esse formulário já fechou!”. Uma série de dificuldades com o Google Forms. Até hoje eu não digo que já aprendi, mas eu consigo mandar as atividades. (P1A, comunicação pessoal, 2 de novembro de 2022)

A respeito da busca por autoformação, Almeida (2020, p. 8), em sua palestra na 72ª conferência da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), ao falar da utilização da internet para ampliar conhecimentos sobre o uso de tecnologias no ensino e na aprendizagem, algo que professores e estudantes fizeram bastante durante a pandemia, assevera que “o professor tomar para si a tecnologia não garante uma apropriação pedagógica dessas tecnologias” nem o desenvolvimento de conhecimentos relacionados ao uso pedagógico dessas tecnologias. Para a autora,

É preciso propiciar aos professores em formação, inicial ou continuada, a participação em experiências desenvolvidas na intersecção de três tipos de conhecimentos – pedagógico, do conteúdo específico e das tecnologias em uso –, não se limitando ao conhecimento de um deles, e sim à confluência entre eles. (Almeida, 2020, p. 8)

 

A integração das tecnologias na educação voltou ao debate na sociedade com força total com a pandemia no ano de 2020 (Pretto et al., 2021). Defensora da integração das tecnologias ao currículo há muitos anos por meio de programas de formação de professores, Almeida (2020) cita o uso do modelo TPACK (Technological Pedagogical Content Knowledge), formulado por Mishra e Koehler (2006). Nesse modelo, a integração das tecnologias ao currículo se baseia na interseção entre os três tipos de conhecimento por ela citados – pedagógico, científico e tecnológico. O TPACK aborda como as conexões entre a compreensão sobre conteúdo, pedagogia e tecnologia dos professores interagem entre si para produzir um ensino eficaz. Koehler et al. (2014, p. 102) clarificam os três termos:

Content knowledge (CK) refers to any subject-matter knowledge that a teacher is responsible for teaching. Pedagogical knowledge (PK) refers to teacher knowledge about a variety of instructional practices, strategies, and methods to promote students’ learning. Technology knowledge (TK) refers to teacher knowledge about traditional and new technologies that can be integrated into curriculum.

 

Percebe-se, portanto, que aprender a usar um software por meio de um vídeo tutorial do YouTube não garante um uso eficaz desse recurso, pois este é um conhecimento isolado (Koehler et al. 2014), apenas tecnológico, instrumental, e, portanto, desintegrado do conhecimento científico, disciplinar, a ser trabalhado com o uso daquela tecnologia e do conhecimento pedagógico, que envolve o contexto de ensino e estratégias a serem utilizadas para promover a aprendizagem dos estudantes.

Por conseguinte, de acordo com Almeida (2020), programas de formação de professores para a integração das tecnologias na sala de aula devem entrelaçar o uso das TD (tecnológico), a reflexão sobre o uso (pedagógico) e a teoria educacional que fundamenta a compreensão desse uso (científico) para que as tecnologias possam ser integradas ao ensino e à aprendizagem de modo eficiente e eficaz. É preciso ir além do meramente instrumental, como já discutido ao longo deste texto (Bonilla & Oliveira, 2011; Bonilla & Pretto, 2011).

Em texto publicado durante a pandemia, Pretto et al. (2021, p. 240) ratificam que “políticas públicas fragmentadas e instrumentalizantes para a formação de professores e gestores são insuficientes para a proposição de práticas pedagógicas estruturantes e para a autonomia e autoria dos professores”. Defendem, para docentes e estudantes, uma formação “para uma atuação cidadã crítica e criativa, pautada em valores democráticos e no fortalecimento dos direitos humanos” (Pretto et al., 2021, p. 225).

Relativamente aos temas abordados nas formações sobre TD realizadas durante a pandemia, embora tenham sido sugeridos alguns, em uma questão de múltipla escolha com possibilidade de respostas múltiplas, havia a opção “Outro”, acompanhada de espaço para o inquirido, se fosse o caso, citar outros temas não mencionados na questão. Esses temas encontram-se entre parênteses à frente do item “Outro” na Figura 28.

Figura 28

Temas das Formações sobre TD Realizadas pelos Professores durante a Pandemia

A Figura 28 mostra que, de acordo com os dados analisados, as maiores frequências estão concentradas nos aplicativos da Google, destacando-se a plataforma de videoconferência Google Meet (n = 114), como solução bastante utilizada durante o ERE na realização das aulas síncronas, por trabalhar associada com outras aplicações da Google e possibilitar a interação entre alunos e professores distribuídos em diferentes regiões. Além disso, os aplicativos da Google permitem o trabalho colaborativo, com quizzes e atividades gamificadas, e o compartilhamento de arquivos e informações de modo virtual.

Quanto aos responsáveis pelas formações realizadas pelos professores, a maior frequência foi da SEEC-RN ou outros órgãos oficiais regionais ou locais (n = 81) e da escola em que os inquiridos atuavam (n = 61), conforme demonstra a Figura 29.

Figura 29

Quem Organizou as Formações Realizadas pelos Professores durante a Pandemia

Nas entrevistas, alguns professores mencionaram essas formações ofertadas pelos órgãos oficiais, como é o caso de P1M (Comunicação pessoal, 18 de novembro de 2022): “A SEEC-RN ofereceu formação através da DIREC” e de P3M (Comunicação pessoal, 14 de outubro de 2022): “Eu fiz uma formação pelo IFRN sobre como utilizar o Google Meet. No começo, tive um pouco de dificuldade. Mas, depois que fiz a formação, ficou bem tranquilo”.

Muitos foram os constrangimentos vividos pelos professores durante a pandemia. Com relação às limitações de acesso às tecnologias para realizar suas atividades remotas, em pergunta de múltipla escolha, na Figura 30, é possível visualizar as respostas dos professores.

 

Figura 30

Limitações de Acesso às TD pelos Professores no ERE

A falta de dispositivos para usar nas aulas remotas foi a maior dificuldade enfrentada pelos professores, visto que 49,8% desses profissionais disseram ter tido que comprar novos equipamentos para poder ministrar suas aulas. Como comprovam os relatos abaixo:

No primeiro ano da pandemia, sou sincero, eu sofri muito, porque só tinha um notebook velho, aquele que o governo deu. E eu só mandava mesmo atividades assíncronas. Foi bem remoto mesmo nesse primeiro ano. No segundo ano, eu vi que, como a pandemia ia persistir... eu pensava que ia resolver logo. Na minha cabeça, eu achava que em um ano a pandemia ia arrefecer e as coisas iriam melhorar. Mas, não foi o que ocorreu. Aí, decidi: tenho que comprar um notebook e dar aula pelo Meet. Não vou mais fazer daquela forma, não pode ser mais só atividade assíncrona. (P1AP, comunicação pessoal, 15 de outubro de 2022)

Quanto ao professor... é porque professor já é uma classe que sempre sofreu muito, né?  Professor é uma classe que... tudo o que a gente vai fazer tem que ser por conta própria. Meu notebook acabou. Eu tive que comprar celular novo na pandemia. Meu celular novo se acabou. Tive que comprar outro celular. Aí, já se acabou o novo. Já estou com outro celular. É porque eu ministrava aula manhã e tarde, todo dia. O WhatsApp superlotou meu celular... muitos grupos de WhatsApp, muita atividade, muitas fotos. (P3M, comunicação pessoal, 14 de outubro de 2022)

Quanto ao acesso à internet, apesar de apenas 3,4% dos inquiridos afirmarem não possuir internet em sua residência durante a pandemia, 26,6% admitiram possuir uma internet de baixa qualidade, como é o caso de P30 (Comunicação pessoal, 15 de agosto de 2022), ao responder à questão descritiva Que pontos negativos você identifica na utilização dos recursos digitais em sua prática de ensino?: “Falta de acesso à internet e, quando tinha, não prestava”. Nas entrevistas, essa limitação também foi relatada pelos professores:

Na minha casa, a internet era boa, mas, muitas vezes, não dava certo. Eu tive algumas frustrações com isso. Cheguei até a pensar se não era melhor transmitir lá da escola, a aula. Só que a internet de lá também, de vez em quando, não era boa. Aí, eu preferia ficar em casa. (P2A, comunicação pessoal, 1 de novembro de 2022)

Quando se soma a esses percentuais, os professores que não possuíam computador (6,3%) ou celular (5,5%), tem-se, como no segmento estudantes, a falta de recursos digitais como o maior óbice enfrentado pelos professores no ERE.

Nesse sentido, P2AP (Comunicação pessoal, 18 de outubro de 2022) narrou sua dificuldade para ministrar aulas síncronas por ter que compartilhar o notebook com seus filhos:

A dificuldade que eu senti foi porque aqui em casa só tinha um notebook, aí eu sou professora e meus filhos estudam. Então, se eu fosse dar aula via Google Meet, eu tinha que buscar um horário que não batesse com a aula do meu filho menor nem com a aula do meu filho maior. Porque era um notebook para os três.

A falta de recursos digitais e de internet, juntamente com a falta de preparo técnico e pedagógico para o uso das TD no ERE, explicita, mais uma vez, a exclusão digital, agora do segmento professor.

Se antes da pandemia, a falta de acesso à rede e às tecnologias já era uma forma de estar excluído da cultura digital contemporânea (Castells, 2003) e de violação a um direito de cidadania, na pandemia, a exclusão digital tornou mais grave a extrema desigualdade digital e social, dificultando a participação plena nos processos de ensino e aprendizagem de professores e estudantes.  

Para Moran (2022, p. 5), esse contexto pandêmico reafirmou a urgência de “uma política pública que agilize a infraestrutura digital nas escolas, a formação docente em competências digitais e em que o acesso individual e familiar à internet seja considerado um direito fundamental do século XXI, como ter água, esgoto e energia”.

No que diz respeito às competências digitais dos professores, algo que se revelou mais do que nunca necessário, Pedro et al. (2023, p. 16) defendem a inclusão desse tema nos processos de formação inicial e continuada desses sujeitos, em virtude dos “novos modelos de ensino em que as estratégias de aprendizagem e avaliação não são mais baseadas exclu­sivamente em interações individuais e presencialmente estabelecidas entre docentes e estudantes”.

Já que a presença de desafios durante a pandemia marcou a sociedade como um todo e, conforme comprovam os dados analisados, também esteve presente nas práticas escolares de professores e estudantes, enfrentar essas dificuldades não deveria ter sido uma tarefa solitária.

Nesse sentido, quando perguntados se a escola ou rede de ensino disponibilizou apoio técnico-pedagógico relativamente às TD para atuar no ERE, 107 professores (45,1%) afirmaram que disponibilizou algumas coisas, sim, mas não foram suficientes, enquanto 80 docentes (33,8%) declararam que não disponibilizou nenhum auxílio.

Essa falta de apoio foi relatada por vários professores durante as entrevistas: “Creio que houve país que ofereceu suporte. Aqui no Brasil, simplesmente não teve” (P1AP, comunicação pessoal, 15 de outubro de 2022). Em sua fala, P2AP (Comunicação pessoal, 18 de outubro de 2022) reclamou da falta de ajuda e de formação para os professores desenvolverem suas atividades remotas por parte do estado do RN, enfatizando que a única ajuda nesse sentido foram os colegas que já utilizavam tecnologias antes da pandemia. P2AP ainda complementa:

Eu acho que faltou muito incentivo do governo, não só para os professores, como para os alunos também. A gente viu outros estados aí que sentiram pouco essa dificuldade. Com canais de TV estaduais para os alunos assistirem aula, entrega de chips, de tablets, e a gente aqui não teve isso.

 

Por outro lado, 18 respondentes (7,6%) disseram que a escola ou rede de ensino disponibilizou tudo de que precisavam, enquanto 32 professores (13,5%) afirmaram não ter sido necessário, pois já possuíam todos os recursos. É o caso de P3M (Comunicação pessoal, 14 de outubro de 2022), que relatou: “Eu tinha tudo. Inclusive, perdi um notebook e dois celulares na pandemia. Não aguentaram o rojão, o uso excessivo danificou”.

Para efetivar as atividades remotas durante a pandemia, impedindo que os estudantes ficassem alijados do contato com a escola e seus pares, os professores tiveram que se reinventar e aprender rapidamente a usar inúmeras tecnologias (Cipriani et al., 2021; Friedrich et al., 2021; Galizia et al., 2022; Godoi et al., 2021; Starks, 2022). Nas escolas públicas do ensino médio do RN, isto não se deu de modo diverso.

A Figura 31 apresenta os principais recursos utilizados pelos professores para desenvolverem suas aulas e demais atividades remotas.

 

Figura 31

Tecnologias Utilizadas pelos Professores no ERE 

No que se refere aos dispositivos utilizados pelos professores, o celular e o notebook tiveram percentuais próximos, com 85,7% e 81%, respetivamente. Nas narrativas dos docentes, eles indicam tanto o uso de ambos os recursos como para que os utilizavam: “Então, basicamente, o recurso que eu usava era o celular, para entrar em contato com eles, e o notebook, para dar aula. Eu comprei o notebook justamente para isso” (P1AP, comunicação pessoal, 15 de outubro de 2022); “Para gravar as aulas, eu usava o celular e Ring Light. E o envio, eu fazia pelo computador. Então, de instrumentos, o que eu utilizei foi celular e notebook” (P3AP, comunicação pessoal, 17 de outubro de 2022).

Apesar do resultado se diferenciar daquele que foi encontrado junto aos estudantes, cujo percentual do uso de notebook foi bem inferior (17,5%), ele se aproxima dos dados da pesquisa Painel TIC Covid-19 – 4ª edição, realizada pela CETIC.BR, entre 15 e 30 de julho de 2021 (CETIC.BR, 2022a), com indivíduos usuários de internet com 16 anos ou mais de idade no Brasil. A pesquisa identificou um aumento no uso da internet por computador em relação aos anos anteriores, chegando a 54% do total de 5.552 respondentes, apesar de o celular continuar a ter predominância como dispositivo no acesso à internet (99%).

Quanto aos aplicativos utilizados, os grupos de mensagens, especialmente o WhatsApp, foram apontados por 87,3% dos professores, sendo este o recurso mais citado pelos inquiridos. Ressalte-se que vários estudos (Aguiar et al., 2020; Dias-Trindade et al., 2020; Godoi et al., 2021; Negrão & Neuenfeldt, 2022; Oliveira & Amancio, 2021; Santos & Lacerda Júnior, 2022; Souza & Vasconcelos, 2021) também apontaram o WhatsApp como um dos principais recursos digitais utilizados pelos professores durante o ERE para se comunicar com os alunos, escola e colegas, principalmente para compartilhar informações e conteúdos com os estudantes e colegas e trocar experiências entre os pares.

No âmbito dessa investigação, embora a ênfase tenha sido a comunicação, o WhatsApp também foi utilizado para diferentes fins, inclusive pedagógicos, de acordo com os discursos dos professores:

 

Eu mandava um documento em Word ou em PDF. Eles devolviam para mim tanto pelo sistema SigEduc como pelo WhatsApp. Usei bastante o WhatsApp. Para me comunicar com eles, foi o mais utilizado e, assim, não tinha horário. Na hora que surgia dúvidas, eles falavam: de madrugada, 6 horas da manhã, meia-noite, perto de encerrar um prazo. (P2AP, comunicação pessoal, 18 de outubro de 2022)

 

Eu criei um grupo do WhatsApp para cada turma. E, lá, colocava os conteúdos. O que eu fazia?  Eu ia no YouTube, pegava aulas curtas sobre os assuntos da sala, colocava no grupo essas aulas de 10, 15 minutos, colocava umas questões resolvidas em forma de PDF e outras questões não resolvidas. Aí, eu fazia momentos síncronos pelo Google Meet, de uns 20, 30 minutos. Não podiam ser muito longos, porque eles não ficavam. Ali eu fazia apresentação de slide, colocava animação para ver se conseguia focar. (P3M, comunicação pessoal, 14 de outubro de 2022)

 

Materiais online, vídeos do YouTube, aplicativos de webconferência e Ambientes Virtuais de Aprendizagem também foram indicados por um alto percentual de professores. Isso deu-se, no caso dos dois primeiros recursos, em razão das buscas por conteúdo online e por ter sido o uso desses recursos uma das estratégias sugeridas pela SEEC-RN na Portaria-SEI nº 184 (Portaria-SEI nº 184/2020). O uso de vídeos do YouTube, prática intensiva no período pandêmico, por estar na rede, facilitou o acesso ao conteúdo. É o que se depreende da fala a seguir:

 

No primeiro ano, além de ser assíncrona, eu mandava videoaulas. Mas, não videoaulas minhas, videoaulas do conteúdo que eu pegava no YouTube. Eu achava o conteúdo que eu ia dar, eu via que aquilo ali sintetizava mais ou menos o que eu ia dar, aí passava para eles. (P1AP, comunicação pessoal, 15 de outubro de 2022)

 

Ressalte-se, contudo, que o YouTube também foi utilizado para ministrar aulas síncronas por alguns professores, conforme contaram: “Dei um aulão online na primeira semana de aula. A gente foi apresentar para eles como é que seria pelo YouTube. Acho que tivemos uns 230 alunos, de um turno” (P1M, comunicação pessoal, 18 de novembro de 2022).

Além disso, vários professores relataram que produziam suas próprias videoaulas, alguns chegando, inclusive, a criar um canal no YouTube para postá-las: “Sim, eu fiz videoaulas para reforçar o conteúdo. Fazia com o Ocam. Também fiz audioaula” (P1A, comunicação pessoal, 2 de novembro de 2022); “Criei um canal no YouTube, gravava as aulas e colocava lá” (P2AP, comunicação pessoal, 18 de outubro de 2022); “Optei por criar videoaulas, porque pensei nas condições dos alunos. Como eram muitas disciplinas, alguns professores faziam mais de forma síncrona. Então, os horários, às vezes, batiam. Gravava, colocava no YouTube, pegava o link e jogava no SigEduc” (P3AP, comunicação pessoal, 17 de outubro de 2022).

Por outro lado, houve professores que preferiram não gravar suas próprias videoaulas, dando prioridade às aulas síncronas:

Usei videoaulas, mas minhas, não. Eu não achava legal essa ideia de gravar e deixar lá para os meninos verem. Eu queria manter pelo menos esse contato face a face. Porque eles entraram na escola durante a pandemia e a gente só se conhecia, só se falava, pelo celular. (P2M, comunicação pessoal, 13 de outubro de 2022)

Já com relação aos aplicativos de webconferência e Ambientes Virtuais de Aprendizagem, a razão deve-se à necessidade de recursos para a realização das aulas síncronas (Google Meet, Zoom) e de uma sala de aula virtual (SigEduc, Google Classroom). Reforçando que o AVA Escola Digital/SigEduc foi a plataforma adotada para as escolas públicas do RN pela SEEC-RN, embora esta tenha autorizado o uso de outros recursos, a exemplo do Google Classroom. Os professores discorrem sobre os recursos utilizados e os motivos para a escolha desses recursos:

Bem, os principais recursos que eu utilizei foram os recursos que dão uma base para conseguir fazer o ensino remoto. O Google Classroom e o Google Meet. Só que existem recursos que a gente utiliza dentro desses recursos para poder gerar uma interação maior. Por exemplo, o Mentimeter, usei bastante. Também usei o Wordwall. (P3A, comunicação pessoal, 5 de novembro de 2022)

 

Pelo que se observa na Figura 31, o uso de apostilas e materiais impressos pelos professores obteve um percentual bastante expressivo (48,5%), mais uma vez trazendo à tona a exclusão digital e social existente no país. Contudo, é relevante frisar que, no caso dos professores, o alto percentual de uso de materiais impressos (apostila e livro didático) pode estar relacionado mais à falta de acesso às TD (dispositivos ou internet) dos estudantes do que à exclusão digital dos professores, conforme comprovam os relatos dos professores entrevistados:

Mas, acima de tudo, também, essa vala social, essa desigualdade social. Porque teve aluno que eu nunca vi nenhuma foto, que eu não conheço. Era um nome, e esse nome mandava alguém até a escola para pegar atividade impressa, porque não tinha acesso a nada. (P1M, comunicação pessoal, 18 de novembro de 2022)

 

A gente colocava as atividades no Classroom ou no SigEduc e, para os alunos que não estavam podendo acompanhar, a gente imprimia e mandava para a escola, para alguém da família vir pegar. Para devolver as atividades, deixavam na escola novamente. Marcavam uma data para vir deixar na escola e a gente vinha e pegava. (P2M, comunicação pessoal, 13 de outubro de 2022)

 

Mesmo se sentindo despreparados para utilizar as tecnologias no ERE, perguntados se consideravam que a dinâmica das aulas remotas ampliou suas habilidades no uso das tecnologias digitais, em uma escala de resposta de 4 pontos (0 = Em nada ampliou; 1 = Ampliou pouco; 2 = Ampliou razoavelmente; 3 = Ampliou muito), a média das respostas dos professores foi de 2,16 com desvio padrão de 0,784 (Tabela 58), indicando um nível moderado quanto à ampliação das habilidades no uso da TD pelos professores no ERE.

Tabela 58

Ampliação das Habilidades dos Professores no Uso de TD

Ampliação das Habilidades dos Professores no Uso de TD

N

%

Em nada ampliou minhas habilidades (0)

4

1,7%

Ampliou pouco minhas habilidades (1)

45

19%

Ampliou razoavelmente minhas habilidades (2)

98

41,3%

Ampliou muito minhas habilidades (3)

90

38%

Média

2.16

Desvio Padrão

0,784

 

 

 

 

 

          

 

 

 

 

 

 

 

 

     Ressalta-se ter-se considerado que valores entre 0 e 1,50 ponto indicam um nível baixo de ampliação, entre 1,51 e 2,25 pontos indicam um nível moderado, e entre 2,26 e 3 pontos, um nível elevado.

Embora o valor do DP aponte para opiniões não uniformes, percebe-se uma concentração nos 2 últimos pontos da escala (ampliou razoavelmente e ampliou muito).

Desse modo, os resultados apresentados na Tabela 58 mostram que, na opinião dos professores, o ERE ampliou suas habilidades no uso das TD, dado que, para 188 respondentes (79,3%), suas habilidades foram razoavelmente ou muito ampliadas em razão da dinâmica das aulas remotas.

Também em seus depoimentos, os professores admitem que suas habilidades na utilização dos recursos digitais avançaram, trazendo melhorias para sua prática pedagógica e para a aprendizagem dos estudantes:

Eu acho que, nesse sentido, minha prática melhorou, porque houve um aprendizado e eu incorporei novas ferramentas. Meus slides, por exemplo, ficaram melhores, porque eu pensava: ‘Esse menino vai ficar em casa, é muito texto, são muitos slides!’. Aí, eu colocava mais figurinha. Os slides ficavam mais criativos e as aulas também. (P2A, comunicação pessoal, 1 de novembro de 2022)

A ampliação das habilidades também foi referido como ponto positivo no uso das TD durante o ERE por vários professores, especialmente por aproximá-los da realidade dos estudantes: “Ampliação do conhecimento acerca dos meios digitais e utilização de aplicativos e sites que fazem parte do cotidiano dos alunos” (P240, comunicação pessoal, 7 de novembro de 2022); “Imersão em novos recursos digitais e uma melhor dinamização das aulas” (P234, comunicação pessoal, 7 de novembro de 2022); “Avanço no uso das ferramentas digitais e incorporação dos recursos na prática” (P224, comunicação pessoal, 6 de novembro de 2022); “Ampliação das minhas habilidades com recursos digitais” (P43, comunicação pessoal, 25 de agosto de 2022).

Entretanto, a percepção desses sujeitos com relação à ampliação das habilidades dos estudantes no uso das TD foi menos positiva do que em relação a si mesmos. Tal resultado pode ser explicado pelo fato de muitos estudantes, “nativos digitais” (Prensky, 2001), já possuírem um certo domínio instrumental desses recursos.

Quando inquiridos se a dinâmica das aulas remotas havia ampliado as habilidades dos estudantes no uso das tecnologias, utilizando a mesma escala (0 = Em nada ampliou; 1 = Ampliou pouco; 2 = Ampliou razoavelmente; 3 = Ampliou muito), a média das respostas dos professores foi de 1,58 com desvio padrão de 0,764, como se observa na Tabela 59. Tal score indica um nível moderado de ampliação das habilidades dos estudantes no uso de TD na visão dos professores.

Tabela 59

 Ampliação das Habilidades dos Estudantes no Uso de TD na Percepção dos Professores

Ampliação das Habilidades dos Estudantes no Uso de TD na Percepção dos Professores

N

%

Em nada ampliou as habilidades dos alunos (0)

14

5,9%

Ampliou pouco as habilidades dos alunos (1)

98

41,3%

Ampliou razoavelmente as habilidades dos alunos (2)

99

41,8%

Ampliou muito as habilidades dos alunos (3)

26

11,0%

Média

1,58

Desvio Padrão

0,764

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Percebe-se que a concentração das respostas ocorreu nas opções 1 e 2 da escala (ampliou pouco e ampliou razoavelmente), o que explica o score inferior quanto à ampliação das habilidades dos estudantes, na opinião dos professores, em relação à ampliação de suas próprias habilidades. Ainda assim, na percepção de 125 professores (52,8%), as habilidades dos estudantes no uso das TD foram razoavelmente ou muito ampliadas (Tabela 59).

A ampliação das habilidades dos estudantes fica evidenciada na fala de uma professora entrevistada ao relatar o resultado de um projeto por ela desenvolvido para promover o letramento digital desses indivíduos:

Após 3 meses, os alunos que até então não tinham uma conta de e-mail e, por vezes, não sabiam anexar uma atividade no Classroom, eles mesmos já eram multiplicadores de ações. Eles aprenderam e depois foram ensinar aos próprios colegas, aos próprios pais a usar. E isso, eu lá, com a mão no queixo. Eu fiquei igual a pinto no lixo, muito feliz. Sobretudo com a evolução sistematizada deles. E foi rápido, porque quando eles viram que eles eram capazes de fazer isso, eles se agigantaram muito. (P2A, comunicação pessoal, 1 de novembro de 2022)

 Uma das questões de investigação objetivou averiguar se os professores, após a volta ao ensino presencial, pretendiam continuar utilizando os recursos digitais agregados às aulas durante o ERE. Para isso, em uma escala de resposta de 4 pontos (0 = Não, pois eles não contribuem para as aulas presenciais; 1 = Não, porque poucos dos recursos utilizados contribuem; 2 = Sim, pretendo incorporar alguns dos recursos digitais que conheci; 3 = Sim, pretendo incorporar a grande maioria dos recursos digitais que conheci), obteve-se a média de 2,02 e desvio padrão de 0,631 (Tabela 60), indicando um nível moderado quanto à pretensão de continuar a usar as TD após a pandemia.

Reforçando que, em razão de os valores da escala situarem-se entre 0, mínimo, e 3, máximo, considerou-se que valores entre 0 e 1,50 ponto indicam um nível baixo; entre 1,51 e 2,25 indicam um nível moderado, e entre 2,26 e 3 pontos indicam um nível elevado.

Pela leitura da Tabela 60, percebe-se que o DP foi relativamente reduzido (DP=0,631), o que pode explicar a alta concentração no 3º ponto da escala (pretendo incorporar alguns dos recursos), apontando para uma opinião mais uniforme dos respondentes acerca dessa questão.

Tabela 60

Pretensão de Continuidade de Uso das TD pelos Professores no Pós-pandemia

Pretensão de continuidade de uso das TD pelos Professores no Pós-Pandemia

N

%

Não, pois eles não contribuem para as aulas presenciais (0)

9

3,8%

Não, pois poucos dos recursos utilizados contribuem com as aulas presenciais (1)

18

7,6%

Sim, pretendo incorporar alguns dos recursos digitais (2)

170

71,7%

Sim, pretendo incorporar a grande maioria dos recursos digitais (3)

40

16,9%

Média

2,02

Desvio Padrão

0,631

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Quando observados os percentuais, verifica-se que 210 professores, portanto, a maioria deles (88,6%), pretendem continuar a utilizar no pós-pandemia alguns ou a maioria das TD incorporadas durante o ERE. Os dados confirmam a permanência das mudanças ocorridas nas práticas de ensino durante a pandemia, inovando-as (Messina, 2001), já que a pretensão de continuar a usá-las demonstra uma tomada de decisão consciente e planejada por parte dos docentes.

Nesse sentido, os professores ratificaram, em suas narrativas, a pretensão de continuar utilizando as TD em suas aulas. Contudo, em suas falas, relataram a falta de infraestrutura tecnológica da escola e a desnecessidade do uso desses recursos no ensino presencial como razões para a não continuidade ou redução do uso de alguns artefatos, em relação ao período pandêmico:

 

Eu pretendo continuar a usar as tecnologias que incorporei. Se tiver dificuldade, é em relação à infraestrutura da escola. Depende muito disso. A escola também precisa se estruturar para que eu possa continuar usando as tecnologias. Enquetes, por exemplo, no remoto, eu passei a utilizar, gostei. É algo que eu também continuei a utilizar no modo presencial. Então, vai ser no presencial e no remoto, as enquetes, porque ali eu posso ter as respostas dos alunos e, a partir das respostas deles, eu posso iniciar o debate, o diálogo em sala de aula, os círculos de diálogo. A não ser que eu não consiga realizar por falta de estrutura, como já mencionei, em relação a equipamentos e internet. Mas se tiver internet, eu vi que muitos na sala de aula têm celular. Então, a gente pode utilizar essa ferramenta a partir do celular deles e construir algo. (P3AP, comunicação pessoal, 17 de outubro de 2022) 

 

Não uso mais o canal do YouTube. Como voltou presencial, não acho necessário. Só mesmo o meu WhatsApp, que eu não costumava dar o meu número aos alunos e hoje a gente tem grupos, né? Grupo de tutor de sala, grupo de apresentação. Então, o WhatsApp, com os alunos, eu consigo utilizar. SigEduc, só para registrar nota, conteúdo e frequência. E, às vezes, eu coloco um vídeo para complementar, um vídeo de revisão, por exemplo, antes da prova. Mas, atividade, raramente. (P2AP, comunicação pessoal, 18 de outubro de 2022)

 

Na Tabela 61, observa-se a distribuição dos professores em relação à incorporação de alguns recursos digitais durante as aulas remotas e sua pretensão de continuar a usá-las após a volta ao ensino presencial. A questão buscou identificar as mudanças ocorridas nas práticas de ensino dos professores no ERE, relativamente à agregação de recursos digitais, e se essas mudanças se tornarão inovações, ou seja, se os respondentes pretendem continuar utilizando esses recursos no pós-pandemia.

Foi utilizada uma escala de resposta de 4 pontos abrangendo 19 recursos digitais (0 = Nunca utilizei esse recurso; 1 = Já utilizava antes da pandemia; 2 = Comecei a usar durante a pandemia, mas não pretendo continuar utilizando; 3 = Passei a utilizar durante a pandemia e pretendo continuar utilizando após a pandemia). Nos dados apresentados na Tabela 61, observa-se que todas as estratégias foram assinaladas pelos professores na totalidade das opções de resposta, em menor ou maior percentual.

Tabela 61

Incorporação e Continuidade no Uso de Recursos Digitais pelos Professores

Recurso Digital

Média

DP

 

Nunca utilizei esse recurso (0)

 

Já utilizava antes da pandemia (1)

 

Comecei a usar durante a pandemia, mas não pretendo continuar utilizando (2)

 

Passei a utilizar durante a pandemia e pretendo continuar utilizando após a pandemia (3)

 

 

 

N

%

N

%

N

%

N

%

Google Classroom

1,49

1,103

69

29,1%

27

11,4%

96

40,5%

45

19%

Google Meet

2,17

0,847

16

6,8%

20

8,4%

109

46%

92

38,8%

Zoom

1,54

1,075

68

28,7%

13

5,5%

117

49,4%

39

16,4%

Google Drive

1,67

1,05

26

11%

104

43,9%

29

12,2%

78

32,9%

E-mail

1,28

0,781

14

5,9%

176

74,3%

13

5,5%

34

14,3%

Documentos compartilhados

1,58

0,986

23

9,7%

116

48,9%

35

14,8%

63

26,6%

Google Agenda

0,57

0,912

157

66,3%

41

17,3%

24

10,1%

15

6,3%

Google Formulários

1,86

1,072

33

13,9%

56

23,6%

60

25,3%

88

37,2%

Google Jamboard

0,35

0,877

202

85,2%

5

2,1%

13

5,5%

17

7,2%

Google Sites

0,46

0,885

175

73,8%

33

13,9%

12

5,1%

17

7,2%

Kahoot

0,61

1,059

168

70,9%

23

9,7%

17

7,2%

29

12,2%

Socrative

0,17

0,567

212

89,5%

14

5,9%

6

2,5%

5

2,1%

Mentimeter

0,35

0,879

200

84,4%

7

3%

13

5,5%

17

7,1%

Padlet

0,6

1,121

180

75,9%

5

2,1%

18

7,6%

34

14,4%

Plickers

0,1

0,467

224

94,5%

6

2,5%

3

1,3%

4

1,7%

WhatsApp

1,54

0,875

2

0,8%

164

69,2%

12

5,1%

59

24,9%

Facebook

0,95

0,814

63

26,6%

143

60,3%

10

4,2%

21

8,9%

Instagram

0,97

0,909

71

30%

132

55,7%

4

1,7%

30

12,6%

Telegram

0,63

0,924

142

59,9%

60

25,3%

16

6,8%

19

8%

 

Da leitura da tabela anterior, ao se verificar os valores médios e o desvio padrão dos recursos digitais listados, percebe-se que os scores apresentados por onze dos dezanove recursos, nomeadamente a maioria, mostram-se baixos.

Estando o valor em causa situado entre 0, mínimo, e 3, máximo, determinou-se a mesma correspondência entre os valores das médias e os níveis já referidos ao longo do texto: valores entre 0 e 1,50 ponto representam um nível baixo de agregação; valores entre 1,51 e 2,25 pontos representam um nível moderado; e valores entre 2,26 e 3 pontos, um nível elevado de agregação e possível pretensão de continuidade de uso no pós-pandemia.

Constata-se que os recursos Plickers (M=0,1, DP=0,467), Padlet (M=0,6, DP=1,121), Socrative (M=0,17, DP=0,567), Google Jamboard (M=0,35, D =0,877) e Mentimeter (M=0,35, DP=0,879) apresentaram os scores mais reduzidos, indicativos de um nível baixo quanto à agregação desses recursos durante o ERE.

Em sentido oposto, os recursos Google Meet (M=2,17, DP=0,847), Google Formulários (M=1,86, DP=1,072), Google Drive (M=1,67, DP=1,05), Documentos compartilhados (M=1,58, DP=0,986), Zoom (M=1,54, DP=1,075) e WhatsApp (M=1,54, DP=0,875) apresentaram os scores mais elevados, ainda assim indicando um nível moderado de agregação de TD e de continuidade no seu uso após a pandemia. Logo, esses resultados são indicativos de mudança e inovação nas práticas de ensino dos professores das escolas estaduais de ensino médio do RN.

Observando-se na Tabela 61 os percentuais dos recursos já utilizados pelos professores antes da pandemia (cujo uso possivelmente continuou durante o ERE), percebe-se que se sobressaem: e-mail (74,3%), WhatsApp (69,2%) e as redes sociais Facebook (60,3%) e Instagram (55,7%).

Relativamente à continuidade de uso das TD, o WhatsApp continua a ser utilizado pelos professores após a pandemia, com a função de comunicar, enviar e receber atividades, conforme relato de P2A (Comunicação pessoal, 1 de novembro de 2022): “Continuo usando WhatsApp. Na escola, permanecem os grupos das turmas. Então, um recado, notificação. Inclusive, eu tenho enviado algumas coisas - slides, arquivo em Word, PDF -, tanto no grupo do WhatsApp quanto no Classroom”.

No que se refere aos recursos digitais incorporados à prática pedagógica dos professores durante a pandemia e à intenção de continuidade de seu uso após a volta ao ensino presencial, estes foram analisados em 2 grupos, também com base nos percentuais apresentados.

O primeiro grupo trata dos recursos inseridos no período pandêmico, mas a cuja utilização não se pretende dar continuidade no pós-pandemia. Sobressaem-se o Zoom (49,4%), Google Meet (46%) e Google Classroom (40,5%). Embora o Google Classroom tenha apresentado um score indicativo de um nível baixo de agregação (M=1,49), apresentou um DP elevado (DP=1,103), evidenciando a não-uniformidade das respostas na escala.

A justificativa para não continuarem a utilizar essas TD é, em geral, a desnecessidade e a falta de acesso aos recursos digitais por parte dos alunos, como narraram os próprios professores nas entrevistas:
 

Atualmente, eu não estou utilizando nem o Meet, nem o Classroom, nada disso, só o WhatsApp. A limitação para o não uso dos outros recursos, além de não achar necessário no presencial, é a questão dos alunos também não utilizarem, então fica mais complicado. E tem a ver, também com a questão da exclusão, por exemplo, a dificuldade de acesso à internet de alguns alunos. (P1A, comunicação pessoal, 2 de novembro de 2022)

 

No segundo grupo, que reúne as TD agregadas durante a pandemia e para cujo uso há a pretensão de continuidade após a pandemia, destacam-se Google Meet (38,8%), Google Formulários (37,2%) e Google Drive (32,9%). Como já referido, estes três recursos também apresentaram os scores mais elevados da Tabela 61.

Nas entrevistas, os professores explicam os motivos por que pretendem continuar utilizando os recursos digitais, como, por exemplo, praticidade e ganho de tempo. Uma das entrevistadas desabafa sobre a resistência encontrada por parte dos estudantes como uma das razões para a redução no uso das TD após a pandemia, mas discorre também sobre os benefícios que a incentivam a persistir no uso:

 

No momento, continuo utilizando o Classroom. O e-mail, que eu já usava antes da pandemia. O Google Drive. Eu nunca tinha salvado nada em drive, só usava pendrive. Uso muito o Drive agora porque fica organizado. Você tem acesso ao que está no Drive em qualquer computador com internet. É isso. Continuo a utilizar as tecnologias porque é algo prático. Por exemplo, os testes que são feitos no Google Forms? Um ganho de tempo gigantesco. Olhe o tempo que ia gastar corrigindo prova por prova. Eu acho um ganho de tempo fenomenal. Por isso, ainda faço questionário pelo Forms. Menos, mas faço. Por que a gente está usando menos? Lembrei! Se a gente diz: “Pessoal, vamos fazer isso pelo Forms, é mais prático, eu dou o resultado mais rápido”. Eles dizem: “Não, nem mande, porque lá em casa não tem internet” ou “Nem mande, porque eu acho melhor fazer a atividade na escola, impressa”. Então, a gente enfrenta muita resistência. Não adianta culpar só a questão da internet, falta de aplicativo nem de aparelho. Isso, às vezes, é também nossa culpa. Por exemplo, eu vou fazer uma atividade daqui a dez dias. “Gente, vai ser pelo Forms, respondam!”. “Ah, eu estava doente” ou “Ah, naquele dia faltou internet”. Vem tanta desculpa! Como eu não posso dizer que é mentira, e também não cabe a mim saber se é verdade ou mentira, o aluno vai ter outra chance. Quando isso terminar, vai ser um mês adiante. Diferente de eu chegar na sala de aula com a atividade impressa: “Pessoal, vocês têm duas horas para fazer isso”. Todos vão fazer. Se eu agendar, ninguém vai faltar. Então, eu ganho tempo. (P2A, comunicação pessoal, 1 de novembro de 2022)