2.1 Tecnologias da Informação e Comunicação na Educação Brasileira

2.1 Tecnologias da Informação e Comunicação na Educação Brasileira

 

A pandemia da Covid-19 trouxe à tona uma série de desafios das escolas públicas brasileiras, destacando problemas que vêm se acumulando ao longo das décadas, apesar das iniciativas de inclusão digital implementadas desde os anos 1980. Entre os principais impeditivos para a realização das aulas remotas estão a falta de acesso às tecnologias digitais (dispositivos e internet) e a escassez de preparo, de professores, alunos e responsáveis pela educação, para utilizar essas ferramentas de maneira eficaz.

            No Brasil, a presença das Tecnologias da Informação e Comunicação na educação não é algo novo. Teve início nas universidades, na década de 1970, por meio de experiências desenvolvidas com o computador, motivadas por países como Estados Unidos e França, que estavam realizando atividades direcionadas ao uso das TIC na esfera educacional (Valente & Almeida, 2020). 

Porém, de acordo com Valente e Almeida (2020), foi apenas na década de 1980 que começaram a ser criados pelo governo federal programas e políticas públicas com o objetivo de incorporar as TIC nas instituições escolares da educação básica, programas considerados de natureza mais instrumentalizante (Preto et al., 2021). 

Em 1985, foi implantado o Projeto EDUCOM, cujo objetivo era fomentar a pesquisa interdisciplinar destinada ao uso de tecnologias de informática no ensino e na aprendizagem. Em seu desenvolvimento, contou com a participação de cinco universidades públicas e professores de escolas escolhidas, e deu origem a uma série de outros projetos e programas voltados à incorporação da informática na educação brasileira, como o PRONINFE - Programa Nacional de Informática Educativa - e o ProInfo - Programa Nacional de

Informática na Educação (Valente & Almeida, 2020). 

Valente e Almeida (2020) relatam que, no âmbito Projeto EDUCOM, a implantação do computador nas escolas não tinha como fim automatizar o ensino, mas provocar mudanças pedagógicas, transformando uma educação centrada na transmissão de informação em uma educação em que o aluno pudesse construir conhecimento por meio da interação com o computador. Os programas de formação de professores atrelados às políticas públicas então implementadas também eram desenvolvidos nesta perspetiva. 

A partir da década de 1990, as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação alcançaram sua expansão no Brasil, em razão da sua crescente propagação e da popularização da internet. Porém, junto a esta expansão, surgiu a preocupação com uma nova desigualdade social, a dos digitalmente excluídos, e a pressão para a formulação de políticas públicas direcionadas a um uso inclusivo da internet (Bonilla & Oliveira, 2011). 

Entre as muitas iniciativas do Governo Federal, algumas se destacaram. Em 1989, por meio da Portaria Ministerial nº 549, foi instituído o PRONINFE que tinha, entre seus objetivos, apoiar o uso da informática nas diferentes áreas de conhecimento e níveis de ensino, inclusive na educação especial (Valente & Almeida, 2020). 

Em 1997, mediante a Portaria nº 522/1997, foi criado o ProInfo, voltado à inclusão digital nas escolas públicas da Educação Básica de todo o país (Portaria nº 522/1997). Entre as várias ações desenvolvidas pelo ProInfo, destacaram-se a implantação de laboratórios de informática nas escolas, a oferta de conteúdos na web e a formação de professores para a utilização pedagógica destes recursos. 

Em 1999, por meio do Decreto nº 3.294/1999, foi lançado o programa Sociedade da Informação, coordenado e executado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, cuja finalidade, segundo o art. 1º do referido Decreto, era “viabilizar a nova geração da Internet e suas aplicações em benefício da sociedade brasileira” (Decreto nº 3.294/1999). 

Em 2005, o Decreto nº 5.542/2005 instituiu o projeto Cidadão Conectado - Computador para Todos (Decreto nº 5.542/2005), que buscou facilitar o acesso de todos às tecnologias digitais, por meio da redução dos preços dos computadores. 

Em 2007, foi iniciado o projeto Um Computador por Aluno (UCA) cujo objetivo foi a inclusão digital dos alunos de escolas públicas, por meio da distribuição de computadores portáteis aos estudantes, propiciando, assim, a entrada da tecnologia na sala de aula. Foram distribuídos cerca de 150.000 laptops para 350 escolas públicas estaduais e municipais, urbanas e rurais. Logo em seguida, para conectar as escolas públicas a uma internet veloz e de qualidade, incrementando o ensino público, em 2008, foi lançado o Programa Banda Larga nas Escolas (PBLE) (Valente & Almeida, 2020).

Em 2010, foi implantado o Plano Nacional de Banda Larga (PNBL), por meio do Decreto nº 7.175/2010, sendo um dos objetivos expandir e “massificar o acesso a serviços de conexão à internet banda larga” (Decreto nº 7.175/2010), reduzindo, com isso, as desigualdades sociais, econômicas e regionais no âmbito tecnológico. 

Para Bonilla e Oliveira (2011, p. 32), estes programas e projetos de inclusão digital tinham como finalidade, em regra, a disponibilização “de espaços públicos de acesso às tecnologias digitais e a realização de cursos e oficinas de introdução à informática”, voltandose ao mero acesso às tecnologias e o seu domínio técnico, não havendo uma preocupação com o uso cidadão dessas ferramentas.  

Por fim, no ano de 2017, por meio do Decreto 9.204/2017, foi lançado o Programa de

Inovação Educação Conectada (PIEC), inspirado no modelo Four in Balance (Visão,

Infraestrutura, Recursos Educacionais Digitais e Formação) de uma fundação holandesa. Em 2021, o programa transformou-se na Política de Inovação Educação Conectada, com a publicação da Lei nº 14.180/2021, trazendo, com isso, segurança jurídica, diretrizes, arcabouço teórico e orientações práticas para os entes federados (Valente & Almeida, 2020). 

O objetivo da PIEC é apoiar a universalização do acesso à internet de alta velocidade e promover a utilização pedagógica das tecnologias digitais na educação básica. Segundo

Valente e Almeida (2020, pp. 21-22), a PIEC intenta “atender diferentes realidades e demandas de uso das TIC nas escolas, envolvendo infraestrutura, recursos educacionais digitais e apoio aos gestores para a formulação de planos de investimento em tecnologia, projeto de formação inicial e continuada de professores”.

O breve histórico da incorporação das TIC na educação brasileira evidenciou que os programas e políticas públicas de inclusão digital implantados nas escolas públicas do Brasil, apesar de terem como motivação o combate à desigualdade no acesso às TIC, não conseguiram os resultados esperados, como demonstrou a pandemia da Covid-19. 

Ressalte-se que o fomento à inclusão digital está implicitamente imbuído no art. 205 da Constituição Federal (CF) de 1988, quando refere ao direito de todos à educação (plena) e que é dever do Estado e da família, com a colaboração da sociedade, promovê-la. Corroborando, o art. 27 da Lei nº 12.965/2014 - Marco Civil da Internet – explicita que são deveres do Estado, para fomentar a cultura digital e promover o uso da internet como ferramenta social, a promoção da inclusão digital e a redução das desigualdades sociais, no que se refere ao acesso às TD (Lei nº 12.965/2014)

Valente e Almeida (2020, pp. 3-4) afirmam que, desde 1980, a educação vem sendo um dos pilares das políticas de inclusão digital no Brasil, através “do fomento à investigação, formação profissional e programas de inserção de aparatos tecnológicos, implantação de infraestrutura nas escolas, conexão à internet e preparação de professores”. Apesar das várias políticas de inclusão digital, que estimulam a inserção das TIC na prática pedagógica, para os autores, até os dias atuais, a educação ainda se depara com dilemas quanto a utilizar, ou não, os recursos digitais nos processos de ensino e aprendizagem, ainda que apresentem resultados satisfatórios, quando utilizados.

No entanto, os debates sobre o impacto das Tecnologias da Informação e Comunicação no âmbito educacional, notadamente da internet, não são recentes, acompanham a implementação dos diversos programas e políticas públicas apresentados. Na literatura brasileira, vários autores vêm discutindo o potencial educativo desses artefatos

(Araújo & Araújo, 2013; Bacich & Moran, 2018; Bonilla & Oliveira, 2011; Bonilla & Pretto, 2011; Kenski, 2012; Moran, 2013, 2017, 2022; Preto & Bonilla, 2022), seja facilitando o processos de ensino e aprendizagem, seja tornando as aulas atrativas e interessantes para os alunos, tendo em vista as possibilidades de comunicação, informação e interação proporcionadas pelos espaços virtuais híbridos e multimodais que estes recursos oferecem. 

Entretanto, no ano de 2020, com o fechamento de escolas e universidades em razão da crise sanitária da pandemia da Covid-19, que colocou em foco a exclusão digital e outros desafios intrínsecos à educação (desmotivação do aluno, ausência da família, despreparo para uso, falta de acesso, precariedade do trabalho docente, etc.), as discussões e pesquisas sobre a integração das TIC à educação foram intensificados e ficaram evidenciadas as falhas das políticas públicas brasileiras para superar a exclusão digital, tanto no acesso às tecnologias nas escolas quanto no letramento digital de gestores escolares, professores e estudantes, no que toca à “leitura crítica, apropriação criativa, produtiva e autoral com e por meio dos recursos digitais” (Pretto et al., 2021, p. 223). 

Isto talvez possa ser explicado por não ter havido, em geral, articulação e participação entre as diversas estruturas que compõem o sistema público educativo, nomeadamente as escolas, na definição e implementação das políticas públicas de TIC na educação, partindo tais iniciativas, assim como a maioria das reformas educacionais brasileiras, de cima para baixo, ou seja, do poder central para as demais instâncias da estrutura federativa (Valente & Almeida, 2020), mas também pode ter se subestimado a necessidade de mudar o modo de ver currículo, ensino, aprendizagem, avaliação e formação de professores.

Nas escolas públicas do estado do Rio Grande do Norte - Brasil, apesar da implementação de programas e políticas públicas de inclusão digital do Governo Federal (Valente & Almeida, 2020) e da Base Nacional Curricular Comum (BNCC) prever, em sua quinta competência, a utilização crítica e responsável das tecnologias digitais no âmbito escolar nacional (Ministério da Educação do Brasil, 2018), até a crise sanitária da pandemia da Covid-19, em 2020, o uso das TD pelos professores ainda se mostrava bastante incipiente[1].  

Com a pandemia da Covid-19, porém, a utilização das tecnologias, notadamente computador, celular e internet, passou a ser a única alternativa para evitar o desamparo educacional de gerações de estudantes. Desse modo, as escolas tiveram que adotar modelos remotos e/ou híbridos, abandonando aulas e atividades presenciais. Mediante tal mudança, a adaptação à utilização de tecnologias digitais nas práticas escolares e a uma nova dinâmica de aula, agora por meio da virtualidade das práticas remotas, tornou-se inevitável. 

A despeito do uso ainda incipiente das TD nas escolas públicas do RN, sua potencialidade para melhorar a educação sempre foi enfatizada na literatura. Em 2013, Moran já afirmava que as tecnologias digitais desafiam as escolas a migrarem do ensino tradicional para um mais participativo e integrado e que cabia a elas entender que a aprendizagem também pode ser feita virtualmente, sem a supervisão direta do professor, e experimentar modelos mais flexíveis de ensinar e aprender. 

Desde então, o autor advoga o uso de práticas pedagógicas inovadoras, que equilibrem artefatos analógicos e digitais, atividades presenciais e virtuais, permitindo ao aluno aprender em ambientes diversificados e híbridos. 

 

Neste sentido, Moran (2017, p. 23) propõe o uso de metodologias ativas - estratégias de ensino cujo centro é a participação híbrida, flexível e interligada do aluno na construção do aprendizado -, considerando que os processos de aprender se diversificaram e se tornaram “múltiplos, contínuos, híbridos, formais e informais, organizados e abertos, intencionais e não intencionais”, questionando a rigidez dos planejamentos pedagógicos das escolas. 

Para isso, também defende a reconfiguração do paradigma educacional: metodologia, formas de ensinar e aprender, fora e dentro da sala de aula, conteúdo e avaliação do conhecimento, pois o fazer docente previsível e repetitivo pode constituir um óbice intransponível para a aprendizagem do aluno.

Em sintonia com Moran (2013, 2017), há quase vinte anos, Lévy (2007) defende um novo modelo de escola e novas competências e habilidades para lidar com um saber em constante e veloz mutação, um saber-fluxo, não mais restrito ao âmbito escolar, mas que circula na rede, não mais piramidal e unidirecional, mas multidirecional e informal.

Nesse contexto, a migração de uma escola tradicionalmente organizada para um novo modelo virtual de ensinar e aprender, apesar de abrupto, comprovou o potencial das tecnologias digitais para a educação. 

As respostas apresentadas por algumas escolas durante o ensino remoto comprovam que as práticas de ensino e aprendizagem podem ocorrer em espaços diversos da sala de aula presencial e que, neste sentido, as TD podem ser importantes aliadas, facilitando o acesso à informação e conteúdo, a realização das atividades remotas e a interação e comunicação entre professor, aluno, família e gestão da escola (Valente & Almeida, 2022). 

 

[1] Conforme relatos orais das coordenações dos Núcleos de Tecnologia Educacional do Rio Grande do Norte, órgãos de formação contínua de professores para a inserção das TIC na sala de aula, criados pelo Programa Nacional de Tecnologia Educacional - ProInfo.