3.3.2 Práticas de Ensino e Aprendizagem Utilizadas no ERE (continua1)

Porém, em alguns destes estudos, além do uso concomitante dos formatos síncrono e assíncrono, houve o uso exclusivo, por um número menor de professores, de atividades exclusivamente síncronas (Andrade et al., 2023) ou assíncronas (Andrade et al., 2023; Cipriani et al., 2021; Dias-Trindade et al., 2020; Drijvers et al., 2021; Samartinho et al., 2020).

Em outros estudos (n = 3), foi identificada a utilização de apenas uma modalidade de ensino: síncrona (Negrão & Neuenfeldt, 2022) ou assíncrona (Godoi et al., 2021; Santos & Lacerda Júnior, 2022), devido à falta ou limitação de acesso a dispositivos ou internet por parte dos estudantes ou professores. Outros trabalhos (n = 2), como já referido, não abordaram as práticas (Holanda et al., 2021; Souza & Vasconcelos, 2021).

Relativamente às estratégias utilizadas, para além da modalidade adotada, houve uma ampla diversidade de práticas de ensino e aprendizagem identificadas nos estudos. Primeiramente, serão apresentadas e discutidas as categorias cujas estratégias foram as mais mencionadas nos estudos. Nelas, o foco está no professor, seja na seleção e criação, seja no compartilhamento (envio ou postagem) dos recursos utilizados nas aulas e atividades remotas. Neste tipo de prática, o aluno assume um papel passivo no seu processo de aprendizagem.

A categoria que se sobressaiu em 20 dos 24 estudos foi o envio e/ou postagem de diversos tipos de recursos digitais: ficheiros de som/áudios, mensagens de texto e de voz, atividades avaliativas, vídeos/videoaulas prontas da web, apresentações, planilhas, fotos, desenhos, infográficos, textos e exercícios, via e-mail, WhatsApp, YouTube, Classroom, Moodle e SeeSaw  (Aguiar et al., 2020; Andrade et al., 2023; Cipriani et al., 2021; Costa, 2023; Dias-Trindade et al., 2020; Drijvers et al., 2021; Galizia et al., 2022; Godoi et al., 2021; Grossi, 2021; Hu et al., 2021; Lucas & Moita, 2020; Negrão & Neuenfeldt, 2022; Oliveira & Amancio, 2021; Oliveira et al., 2023; Rocha et al., 2020; Samartinho et al., 2020; Santos et al., 2021; Santos & Lacerda Júnior, 2022; Starks, 2022; Vaz et al., 2021).

Em seguida, 16 estudos mencionaram a realização de aulas síncronas, pelo WhatsApp ou ferramentas de videoconferência (Google Meet, Zoom, YouTube, Microsoft Teams, Jitsi Meet, Smartschool Live), para, entre outros, apresentar conteúdo e sanar dúvidas (Aguiar et al., 2020; Andrade et al., 2023; Cipriani et al., 2021; Costa, 2023; Dias-Trindade et al., 2020; Drijvers et al., 2021; Friedrich et al., 2021; Galizia et al., 2022; Hu et al., 2021; Lucas & Moita, 2020; Oliveira & Amancio, 2021; Oliveira et al., 2023; Rocha et al., 2020; Samartinho et al., 2020; Santos et al., 2021; Scully et al., 2021).

Em 14 das pesquisas analisadas, além de utilizar as TD disponíveis nas plataformas online, os professores criaram seus próprios recursos, deixando de ser meros consumidores dos conteúdos postados na web e assumindo um papel autoral.  Neste sentido, a produção e compartilhamento de videoaulas e ficheiros de som/áudios via Google Classroom, WhatsApp e YouTube, por exemplo, foi uma das estratégias mais identificadas (Aguiar et al., 2020; Andrade et al., 2023; Cipriani et al., 2021; Costa, 2023; Drijvers et al., 2021; Galizia et al., 2022; Godoi et al., 2021; Lucas & Moita, 2020; Negrão & Neuenfeldt, 2022; Oliveira & Amancio, 2021; Oliveira et al., 2023; Rocha et al., 2020; Santos et al., 2021; Vaz et al., 2021).

Relativamente às práticas de avaliação, 7 trabalhos indicaram como estratégias no feedback de atividades avaliativas, por alunos e professores, o envio de vídeos, fotos ou emojis via WhatsApp, Telegram, Facebook ou e-mail (Andrade et al., 2023; Godoi et al., 2021; Hu et al., 2021; Negrão & Neuenfeldt, 2022; Santos et al., 2021; Starks, 2022; Vaz et al., 2021).

Em 5 estudos, foi mencionado o uso de questionários e exercícios online e de fixação do conteúdo, provas e atividades de verificação de aprendizagem, realizados via Google Forms, Kahoot e Socrative (Aguiar et al., 2020; Andrade et al., 2023; Drijvers et al., 2021; Friedrich et al., 2021; Lucas & Moita, 2020).

Três estudos apontaram a transmissão de videoaulas pela TV aberta (também para alunos sem acesso às TD), canal do YouTube ou plataforma virtual (Friedrich et al., 2021; Godoi et al., 2021; Vaz et al., 2021); produção e envio de ficheiros em PDF, tutoriais em ficheiros de voz e vídeo pelo WhatsApp (Costa, 2023; Oliveira & Amancio, 2021; Vaz et al., 2021); criação de jogos, quizzes, wikis, glossários e portfólios online (Costa, 2023; Grossi, 2021; Samartinho et al., 2020); sugestão de links de conteúdos, filmes e videoaulas disponíveis online (Aguiar et al., 2020; Oliveira & Amancio, 2021; Vaz et al., 2021); exibição de vídeos e videoaulas para expor o conteúdo (Drijvers et al., 2021; Lucas & Moita, 2020; Negrão & Neuenfeldt, 2022); e, por fim, leitura oral e de emojis, livros digitais, contos, crônicas, tutoriais, História em Quadrinho (HQ)/banda desenhada online, fotos narradas (Hu et al., 2021; Santos et al., 2021; Starks, 2022).

Por último, houve ainda algumas práticas centradas no professor que foram identificadas em apenas um ou dois estudos.

Os trabalhos de Galizia et al. (2022) e Santos et al. (2021) indicaram a utilização de gravação de podcasts para apresentar conteúdo e de pesquisas e consulta a enciclopédias online (Tubepédia) e sites jornalísticos.

Apenas duas pesquisas apontaram a criação de grupo da turma/pais no WhatsApp (Costa, 2023; Negrão & Neuenfeldt, 2022) e o armazenamento e compartilhamento de materiais pedagógicos em plataformas como o Google Drive e Classroom (Aguiar et al., 2020; Samartinho et al., 2020).

Starks (2022), por exemplo, mencionou a gravação de tela (screencasting), com tutoriais e leitura em voz alta; experiências de leitura personalizada, com troca de níveis de leitura de textos e compreensão textual; e uso dos recursos de acessibilidade (digitação por voz, conversão de texto em voz), a partir das extensões do Chrome ou no Google Docs.

Grossi (2021) indicou a criação de blogs, Negrão e Neuenfeldt (2022) apontaram o uso de imagens, mensagens de texto e/ou de voz e vídeos curtos com música para registrar a presença, iniciar e terminar aula síncrona, enquanto Oliveira e Amancio (2021) citaram a interpretação de músicas, vídeos e imagens.

Lucas e Moita (2020) dividiram as práticas com TD adotadas no ERE em dois grupos: no primeiro, estão as que se alinham com metodologias ativas, em que os alunos assumem um papel ativo e autoral no processo de aprendizagem (Moran, 2017), e, no segundo grupo, se encontram as estratégias mais alinhadas com metodologias tradicionais, em que os alunos são mais passivos.

Galizia et al. (2022) também categorizam em dois grupos as práticas pedagógicas desenvolvidas durante o ERE: atividades unidirecionais e atividades interativas. Entre as estratégias unidirecionais, encontram-se as atividades assíncronas, tais como o envio e disponibilização de materiais (exercícios, mensagem de texto, vídeos e podcasts gravados por outras pessoas ou pelos professores, etc.), proposta de realização de pesquisas e aulas virtuais expositivas. Entre as estratégias interativas, síncronas e assíncronas, estão as que englobam, por exemplo, chats online, fóruns de discussão ou similares, aulas interativas e troca de áudios via WhatsApp.

Com relação às práticas apontadas por Lucas e Moita (2020) e Galizia et al. (2022) como interativas ou alinhadas às metodologias ativas, centradas no aluno, alguns estudos indicaram sua utilização, embora em número bem reduzido.

Desse modo, 5 estudos relataram a produção, pelos alunos, de: vídeos, podcasts, e-book, entrevistas, festival online, mostra fotográfica, textos, cartas, memes, banda desenhada/HQ, mapas mentais, maquetes, experimentos, jornais, paródias, desenhos, resumos, resenhas de filmes e/ou livros, verbete de enciclopédia, textos informativos e fotos narradas (Andrade et al., 2023; Costa, 2023; Lucas & Moita, 2020; Oliveira & Amancio, 2021; Santos et al., 2021).

Fóruns online (Drijvers et al., 2021; Galizia et al., 2022; Grossi, 2021; Vaz et al., 2021), jogos, quizzes e atividades online gamificadas via Socrative, Google Forms e Kahoot (Grossi, 2021; Oliveira et al., 2023; Santos et al., 2021), discussões e debates (Aguiar et al, 2020; Grossi, 2021; Vaz et al., 2021), chats (Drijvers et al., 2021; Friedrich et al., 2021; Galizia et al., 2022), seminários e apresentações de trabalhos pelos alunos (Drijvers et al., 2021; Lucas & Moita, 2020; Oliveira & Amancio, 2021) e interação e comunicação (videochamada) via WhatsApp  (Friedrich et al., 2021; Oliveira et al., 2023; Santos et al., 2021) também foram práticas pedagógicas abordadas em 3 ou 4 dos estudos.

O uso de outras estratégias identificadas em apenas 1 ou 2 estudos foram: simulações computacionais (Andrade et al., 2023; Oliveira & Amancio, 2021), experimentos (visualização, construção, filmagem), também em programação e robótica (Andrade et al., 2023; Lucas & Moita, 2020), atividades práticas (Hu et al., 2021; Lucas & Moita, 2020), desenvolvimento de projetos temáticos (Costa, 2023), trabalho em grupo e trabalho colaborativo simultâneo em documento online (Drijvers et al.,2021) e, por fim, storytelling (Grossi, 2021).

Em razão da exclusão digital de grande parte dos alunos (falta de acesso a dispositivos e internet), em 10 dos estudos analisados foi possível identificar a elaboração e entrega de material impresso (livro didático, apostilas), nas escolas ou residências dos alunos (às vezes, pelos próprios professores), como uma das práticas para que eles pudessem ter seu direito à educação respeitado (Aguiar et al., 2020; Costa, 2023; Friedrich et al., 2021; Godoi et al., 2021; Lucas & Moita, 2020; Oliveira et al., 2023; Oliveira & Amancio, 2021; Rocha et al., 2020; Santos & Lacerda Júnior, 2022; Vaz et al., 2021).

Os estudos evidenciaram que, embora novas práticas (criação de videoaulas, realização de aulas síncronas e lives/webinars, experimentos e simulações virtuais) tenham se agregado às antigas, as mudanças não são significativas. Mesmo diante da possibilidade e necessidade de utilizar práticas inovadoras, constata-se a predominância de práticas pedagógicas remotas alinhadas a metodologias tradicionais ou unidirecionais, continuando um modelo de ensino transmissivo (de um para muitos). Esse modelo desconsidera o potencial das tecnologias para promover um ensino-aprendizagem mais dialógico, autoral e crítico. No entanto, algumas estratégias evidenciaram a vontade de superar tais práticas.

Galizia et al. (2022) e Lucas & Moita (2020) são contundentes ao afirmar que os professores continuaram ensinando e avaliando na mesma lógica do ensino presencial, maioritariamente tradicional e vertical, centrado na instrução e no professor. A avaliação, nos mesmos moldes, do tipo classificatória e somativa, por meio de listas de exercícios e provas (Galizia et al., 2022). Por isso, defendem que a utilização das TD em contexto virtual deve ir além do uso tradicional. Em concordância, Santos et al. (2021) afirmam haver indícios de uma didática que retoma concepções e práticas pedagógicas tradicionais, havendo necessidade de repensar o design das aulas realizadas no ERE.

Neste sentido, alguns autores defendem repensar os conceitos de ensino e de aprendizagem, já que a mera inserção das TD na prática pedagógica não garante sua inovação, que está condicionada às estratégias utilizadas pelo professor, e ressaltam a necessidade de formação contínua para os docentes, que prepare para o uso técnico e pedagógico desses artefatos, favorecendo a reflexão sobre as mudanças pelas quais a escola passou e vem passando com a transição do presencial para o virtual (Cipriani et al., 2021; Godoi et al., 2021; Holanda et al., 2021; Rocha et al., 2020; Santos & Lacerda Júnior, 2022; Souza & Vasconcelos, 2021; Starks, 2022; Vaz et al., 2021).

A falta de formação para o uso dos recursos digitais na prática pedagógica durante o ERE, já referida, gerou despreparo e insegurança no uso das TD (Aguiar et al., 2020; Cipriani et al., 2021; Drijvers et al., 2021; Friedrich et al., 2021; Galizia et al., 2022; Oliveira et al., 2023; Rocha et al., 2020; Santos & Lacerda Júnior, 2022; Starks, 2022; Vaz et al., 2021). Bonilla (2014) atribui esta falta de formação à ausência da incorporação do debate sobre a cultura digital contemporânea nas universidades brasileiras (antes da pandemia).

Os professores que já utilizavam tecnologias digitais em sua prática pedagógica antes da pandemia apresentaram mais familiaridade no manuseio desses artefatos no ensino remoto (Dias-Trindade et al., 2020; Vaz et al., 2021). Mesmo assim, sentiram a necessidade de formação para seu uso pedagógico no modelo remoto para aprender a usar outros recursos exigidos por esse contexto, como plataformas educacionais, aplicativos de videoconferência e de gravação e edição de vídeos. Neste viés, Dias-Trindade et al. (2020) relataram que os professores receberam formação específica para o uso das TD em aulas remotas no início da pandemia.

O despreparo dos professores para trabalhar com tecnologias digitais no ERE, além de confirmar a deficiência na formação inicial desses profissionais e a ausência de cursos de formação contínua, trouxe à tona o descompasso existente entre a escola, seus alunos e a sociedade da informação, da conectividade e da ubiquidade. Percebe-se que, mesmo imersa na cibercultura, a escola ainda se mantém à margem dela.

Contudo, quanto às práticas pedagógicas adotadas durante o ERE, Andrade et al. (2023) ressaltam que os professores se preocuparam em integrar os aspectos relacionados ao conteúdo, à metodologia e ao conhecimento da tecnologia, o que proporcionou experiências mais eficazes de ensino e aprendizagem. Além disso, os autores enfatizaram a relevância do papel do professor no uso das TD no contexto da pandemia, ao assumir o protagonismo, não só na criação dos conteúdos como também no gerenciamento de todo o processo de ensino.