3.3.4 Benefícios, Aprendizagens e Possibilidades para a Pós-Pandemia

3.3.4 Benefícios, Aprendizagens e Possibilidades para o Pós-Pandemia

 

As publicações analisadas revelaram que as experiências pedagógicas vividas pelos professores no ERE apresentam reflexos em suas concepções de ensino, aprendizagem e sala de aula e impactarão suas práticas escolares no pós-pandemia.

Embora a maioria dos estudos não apontem, explicitamente, benefícios, aprendizagens e possibilidades, alguns puderam ser inferidos da leitura dos textos e foram sintetizados na Tabela 5.

Tabela 5

Benefícios, Aprendizagens e Possibilidades do ERE para a Pós-Pandemia

Benefícios, Aprendizagens e Possibilidades do ERE para a Pós-Pandemia

Total de artigos

Inovação/ressignificação/reorganização e melhoria do fazer pedagógico, com integração de metodologias e TD (celular e WhatsApp)

11

Socialização dos conhecimentos e a colaboração entre os professores

8

Ampliação/manutenção da interação e comunicação escola-família e entre alunos, professores, gestores

7

Reconhecimento e compreensão do potencial das TD para o processo educativo e continuidade dos estudos durante o ERE

7

Novas aprendizagens (habilidades e conhecimentos) sobre o uso técnico e pedagógico das TD

5

Premência de preparo pedagógico e formação contínua, centradas nas competências digitais, e de investimento e infraestrutura tecnológica para escolas

5

Fortalecimento do papel do professor e o reconhecimento de que não são os recursos que definem o ensino, mas os professores e suas estratégias

5

Possibilidade da continuidade do uso de TD no pós-pandemia com educação mais tecnológica e híbrida

5

Impactos positivos do ERE nas práticas escolares após a pandemia, com ensino aberto, colaborativo e dialogado.

5

Necessidade de reflexão sobre a educação e a ação docente

5

Aproximação entre professores, alunos, gestores e pais facilitada pelas TD

3

Capacidade criativa, inventiva e de aprender e se adaptar dos professores

3

Falta/necessidade de qualificação profissional docente, de investimento e infraestrutura tecnológica para escolas

3

Necessidade de repensar o design de aula proposto no ERE para usar abordagens pedagógicas que desafiem os alunos a assumir um papel mais ativo na sua aprendizagem

3

Aumento da confiança/aptidão dos professores para trabalhar com TD e em ambientes  digitais

3

Aumento do protagonismo dos alunos nas aulas

3

Os professores precisam reconhecer/reconheceram as limitações das TD e que elas não atendem às necessidades de todos os alunos e todas as circunstâncias

3

Busca por formação em serviço

2

Aumento da autonomia dos alunos

2

Melhoria da participação, engajamento e competências comunicativa e colaborativa dos alunos

2

A exclusão digital no ERE evidenciou as desigualdades sociais, especialmente no ensino campesino

2

Flexibilidade de tempo para estudo

1

Novas possibilidades virtuais de se comunicar e planejar as aulas

1

Formação recebida durante o ERE

1

Aumento do nível de concentração e atenção de alguns alunos

1

Possibilidades de interatividade, conectividade e inovação das TD

1

Necessidade de acesso igual para todos os estudantes

1

 

A inovação/ressignificação/reorganização e melhoria do fazer pedagógico, com integração de metodologias e TD, em alguns casos, apenas celular e WhatsApp, foi o benefício mais apontado nos estudos analisados (Aguiar et al., 2020; Cipriani et al., 2021; Dias-Trindade et al., 2020; Galizia et al., 2022; Godoi et al., 2021; Holanda et al., 2021; Lucas & Moita, 2020; Negrão & Neuenfeldt, 2022; Oliveira et al., 2023; Rocha et al., 2020; Vaz et al., 2021).

Oito estudos relataram a socialização dos conhecimentos e a colaboração entre os educadores, concretizada na troca de saberes e experiências, nas partilhas de dicas de estratégias, cursos, lives e videoaulas ocorridas durante a pandemia, explicitando o caráter aberto, livre e comunicacional da internet (Dias-Trindade et al., 2020; Godoi et al., 2021; Lucas & Moita, 2020; Oliveira & Amancio, 2021; Rocha et al., 2020; Scully et al., 2021; Souza & Vasconcelos, 2021; Vaz et al., 2021).

O papel da família no desenvolvimento das aulas e atividades remotas assumiu extrema importância, notadamente nos estudos que abordaram práticas na Educação Infantil, pré-escola, nos anos iniciais do Ensino Fundamental e na Educação Especial, casos em que os alunos são mais dependentes dos familiares. Diante disto, a ampliação e/ou manutenção da interação e comunicação escola-família e entre alunos, professores e gestores foi uma contribuição advinda do ERE apontada em sete estudos (Costa, 2023; Holanda et al., 2021; Hu et al., 2021; Lucas & Moita, 2020; Rocha et al., 2020; Starks, 2022; Vaz et al., 2021).

Apesar dos desafios, o reconhecimento e compreensão do potencial das TD para o processo educativo e continuidade dos estudos durante o ERE por líderes escolares, professores, alunos e famílias, para motivar o interesse e potencializar as vozes dos alunos, ajudando-os a se expressar e comunicar, foi identificado em sete publicações (Andrade et al., 2023; Godoi et al., 2021; Grossi, Oliveira & Amancio, 2021; Scully et al., 2021; Souza & Vasconcelos, 2021; Starks, 2022).

As novas aprendizagens (habilidades e conhecimentos) sobre o uso técnico e pedagógico das TD, para diversificar e inovar a prática educativa, foi também apontado como um dos contributos do ERE nos estudos de Aguiar et al. (2020), Lucas e Moita (2020), Oliveira e Amancio (2021), Rocha et al. (2020) e Vaz et al. (2021).

Mediante a exclusão digital e o despreparo de professores e alunos para lidar com as TD, alguns trabalhos indicaram haver uma premência de preparo pedagógico e formação contínua, centrados nas competências digitais, e de investimento e infraestrutura tecnológica para escolas, para agregar novas possibilidades na aprendizagem pós-pandêmica (Costa, 2023; Lucas & Moita, 2020; Oliveira et al., 2023; Santos & Lacerda Júnior, 2022; Scully et al., 2021).

O fortalecimento do papel do professor e o reconhecimento de que não são os recursos que definem o ensino, mas os professores e suas estratégias, foi uma aprendizagem que emergiu em alguns estudos (Andrade et al., 2023; Friedrich et al., 2021; Negrão & Neuenfeldt, 2022; Santos e Lacerda Júnior, 2022; Souza & Vasconcelos, 2021).

Para Andrade et al. (2023), embora as TD tenham desempenhado um papel fundamental na manutenção das aulas, os principais atores deste processo foram os docentes que, apesar do contexto difícil e inusitado, tornaram-se responsáveis por planejar, implementar e avaliar as propostas didáticas, buscando ferramentas e estratégias para apoiar e motivar os estudantes.

A possibilidade da continuidade do uso de TD no pós-pandemia, com educação mais tecnológica e híbrida, também foi reportada (Hu et al., 2021; Godoi et al., 2021; Lucas & Moita, 2020; Negrão & Neuenfeldt, 2022; Souza & Vasconcelos, 2021). Para Godoi et al. (2021), o desejo de integrar com mais frequência as tecnologias às aulas presenciais constitui uma das principais mudanças na prática pedagógica do professor no pós-pandemia, pois esse profissional percebeu o relevante papel que esses artefatos podem exercer nos processos ensino e aprendizagem.

Cipriani et al., (2021), Dias-Trindade et al. (2020), Lucas e Moita (2020), Rocha et al., (2020) e Scully et al. (2021) acreditam nos impactos positivos do ERE nas práticas escolares após a pandemia, com ensino aberto, colaborativo e dialogado. Nesta linha, Dias-Trindade et al. (2020) admitiram os efeitos do ERE para além da pandemia, com mudanças planejadas, de implicações a longo prazo, “designadamente na inovação das práticas pedagógicas, na procura de soluções tecnológicas mais ajustadas (e até customizadas), mas também na qualidade da educação a distância prestada” (Dias-Trindade et al., 2020, p. 20).

Cipriani et al. (2021) ressaltaram que algumas mudanças necessárias à inovação da dinâmica docente tenderão a permanecer, em especial no convívio social e no uso de novas metodologias, e que o uso das tecnologias na aprendizagem será uma realidade efetiva nas instituições educacionais, visto que o normal, tal como todos conheciam, não mais voltará. Citaram a necessidade, no retorno ao presencial, da escuta e do diálogo para superar a enorme diferença nos níveis de aprendizagem dos alunos que, segundo eles, virá à tona no pós-pandemia. Advogaram, ainda, a avaliação dos impactos do ERE no currículo, pelas escolas.

Diante de práticas conservadoras, indicadoras de um modelo tradicional de ensino, e, portanto, não condizentes com as potencialidades inovadoras das TD, as lições aprendidas foram a necessidade de reflexão sobre a educação e a ação docente por parte dos professores (Galizia et al., 2022; Godoi et al., 2021; Grossi, 2021; Holanda et al., 2021; Lucas & Moita, 2020), bem como a premência de repensar o design de aula proposto no ERE para adotarem abordagens pedagógicas que desafiem os alunos a assumir um papel mais ativo na sua aprendizagem (Negrão & Neuenfeldt, 2022; Santos et al., 2021; Scully et al., 2021). Ainda que os estudos de Costa (2023), Godoi et al. (2021) e Rocha et al. (2020) tenham indicado, como benefício, o aumento do protagonismo dos alunos nas aulas, que passaram de consumidor a produtor de conteúdo com o uso de tecnologias digitais.

Como contributos, também foram identificados a aproximação entre professores, alunos, gestores e pais, facilitada pelas TD (Aguiar et al., 2020; Costa, 2023; Dias-Trindade et al., 2020), a capacidade criativa, inventiva e de aprender e se adaptar dos professores (Dias-Trindade et al., 2020; Godoi et al., 2021; Oliveira & Amancio, 2021) e o aumento da confiança/aptidão dos professores para trabalhar com TD e em ambientes digitais (Dias-Trindade et al., 2020; Drijvers et al., 2021; Scully et al., 2021).

Como aprendizagens, Andrade et al. (2023), Hu et al. (2021) e Starks (2022) relataram que os professores precisam reconhecer (ou já reconheceram) as limitações das TD e que elas não atendem às necessidades de todos os alunos e em todas as circunstâncias; Lucas e Moita (2020) e Oliveira et al. (2023), por sua vez, relataram as desigualdades sociais evidenciadas pela exclusão digital no ERE, especialmente no contexto escolar campesino.

Além dos pontos positivos já mencionados, identificou-se nos trabalhos: a busca por formação em serviço (Godoi et al., 2021; Oliveira & Amancio, 2021), o aumento da autonomia dos alunos na realização das tarefas remotas (Lucas & Moita, 2020; Samartinho et al., 2020) e a melhoria da participação, engajamento e competência comunicativa e colaborativa dos alunos (Samartinho et al., 2020; Starks, 2022).

Samartinho et al. (2020), embora tenham destacado a falta de atenção e concentração por parte de alguns alunos, também apontaram o aumento do nível de concentração e atenção por parte de outros, contrapondo-se, neste sentido, a alguns dos estudos analisados (Andrade et al., 2023; Cipriani et al., 2021; Costa, 2023; Galizia et al., 2022; Lucas & Moita, 2020; Oliveira & Amancio, 2021; Samartinho et al., 2020; Scully et al., 2021; Vaz et al., 2021).

Rocha et al. (2020) destacaram as novas possibilidades virtuais de se comunicar e planejar as aulas e a flexibilidade de tempo para estudar como benefícios do ERE. Já Souza e Vasconcelos (2021) indicaram as possibilidades de interatividade, conectividade e inovação das TD no ensino e na aprendizagem. Neste viés, Grossi (2021) enfatiza que as TD devem ser vistas como aliadas dos professores, por terem o poder de ajudar a inovar suas práticas pedagógicas.

Para Scully et al. (2021), uma aprendizagem decorrente da exclusão digital foi a necessidade de acesso igual para todos os estudantes. Em harmonia, Holanda et al. (2021) afirmam que as reflexões emergidas da experiência vivida no ERE sobre a necessidade de readequação do sistema de ensino atual evidenciam o impacto das desigualdades sociais no acesso às TD e a urgência da inclusão digital para os alunos excluídos.

A partir dos benefícios, aprendizagens e possibilidades acima elencados, o que se pode esperar da educação mediada por tecnologias digitais no pós-pandemia? Que mudanças poderão advir?

Conforme os estudos discutidos, o ERE gerou mudanças profundas na instituição escolar e essas mudanças poderão impactar as práticas educativas pós-pandêmicas. Se planejadas, intencionais e sistematizadas, poderão se agregar às práticas já existentes, inovando-as e melhorando a qualidade da educação pública.

Oliveira e Amancio (2021) afirmam que as tecnologias, por si só, não promovem conhecimento nem aprendizado, pois é preciso reconfigurar estratégias didáticas que potencializem a interação, a autonomia, a pluralidade e o diálogo entre os sujeitos dos processos de ensinar e aprender e que levem à compreensão de que o ERE pode impulsionar formas de pensar a prática pedagógica mediada por TD para além da pandemia, mudando o paradigma educacional para promover a aprendizagem em vez do ensino.