5.1 Caracterização da Investigação
5.1 Caracterização da Investigação
A despeito de não haver consenso na literatura, Creswell e Creswell (2018) defendem a existência de quatro grandes paradigmas relacionados à investigação científica: pós-positivista, construtivista, participatório e pragmático, associando-os às três principais abordagens de pesquisa: qualitativa, quantitativa e de métodos mistos. O paradigma pragmático é a concepção que fundamenta este estudo, sendo relevante apresentar seus pressupostos para uma melhor compreensão da abordagem escolhida para esta investigação.
Surgido no fim do século XIX e início do século XX, o Pragmatismo assume como critério da verdade o valor prático e emerge das ações, situações e consequências, ocupando-se com aplicações que funcionem e com a solução de problemas (Creswell & Creswell, 2018). Em razão disso, o investigador concentra sua atenção na questão da pesquisa, em vez de no método, fazendo uso de todas as abordagens disponíveis para entendê-la, o que explica a associação desse paradigma à pesquisa multimétodo ou de métodos mistos, aqui adotada.
Creswell e Creswell (2018) organizam alguns aspectos-chave da corrente filosófica pragmática: (i) não se prende a nenhum sistema filosófico nem concebe o mundo como uma unidade absoluta, o que permite ao pesquisador adotar pressupostos tanto qualitativos quanto quantitativos; (ii) a verdade não tem base dualista, mundo objetivo ou subjetivo, mas consiste no que funciona no momento para melhor entender o problema de pesquisa; por isso, na investigação, podem ser usados tanto dados qualitativos como quantitativos; (iii) por focarem nas consequências da pesquisa, os investigadores pragmáticos precisam determinar um motivo lógico para combinar dados quantitativos e qualitativos.
A abordagem determina como o problema e as questões de investigação serão construídos, tanto no que se refere à linguagem a ser utilizada no desenrolar da investigação quanto aos métodos, técnicas e instrumentos de recolha, organização, análise e interpretação de dados, papel do investigador e participantes na investigação. Creswell e Creswell (2018) apontam três abordagens de pesquisa, as quais são seguidamente resumidas.
A abordagem quantitativa, de base positivista, defende o uso de um método único para investigar fenômenos sociais e físicos, afirmando a separação entre observador e objeto observado, pois a pesquisa deve ser objetiva, livre de influência espaço-temporal e dos preconceitos e emoções do investigador (Creswell & Creswell, 2018; Johnson & Onwuegbuzie, 2004). Somente assim é possível testar teorias dedutivamente via hipóteses, investigando a relação entre variáveis, medidas em instrumentos cujos dados numéricos são analisados via procedimentos estatísticos, de modo a determinar causas e efeitos confiáveis e válidos que podem ser generalizados (Coutinho, 2014; Creswell & Creswell, 2018; Johnson & Onwuegbuzie, 2004).
A abordagem qualitativa concebe a pesquisa como uma forma de compreender o mundo e seus fenômenos a partir dos significados a eles atribuídos pelos indivíduos. Por isso, para ela, a realidade é uma construção subjetiva, sendo o conhecedor e o objeto conhecido inseparáveis, pois o conhecedor é a única fonte da realidade, impossibilitando generalizações fora do contexto espaço-temporal (Creswell & Creswell, 2018; Johnson; Onwuegbuzie, 2004). Na investigação, as questões e procedimentos emergem no processo e os dados são recolhidos do ambiente natural do participante, sendo sua análise feita pelo pesquisador, por meio de uma lógica indutiva, com base na sua própria interpretação, emergindo a teoria a partir dos dados (Coutinho, 2014; Creswell & Creswell, 2018).
A abordagem multimétodo ou de métodos mistos, por sua vez, é aquela em que o investigador “gathers both quantitative (closed-ended) and qualitative (open-ended) data, integrates the two, and then draws interpretations based on the combined strengths of both sets of data to understand research problems” (Creswell, 2015, p. 2). Apesar de ser um campo relativamente novo, esta abordagem tem se popularizado bastante nos últimos anos nas áreas das Ciências Sociais, Humanas e da Saúde, embora ainda seja um tanto desconhecida nestas áreas científicas como abordagem de investigação (Creswell & Creswell, 2018).
Creswell e Plano Clark (2018) situam o marco histórico da abordagem multimétodo no ano de 1959, com o estudo desenvolvido por Campbell e Fiske, em que usaram múltiplos métodos para estudar traços psicológicos. Porém, alegam ter sido no final da década de 1980 que a abordagem de métodos mistos teve seu início, com a reunião de várias publicações focadas em descrever e definir o que atualmente é conhecido como métodos mistos.
Para Creswell e Plano Clark (2018), a investigação de métodos mistos combina métodos específicos, uma filosofia e uma orientação do projeto de pesquisa, além de ressaltar as principais componentes a considerar no planejamento e desenvolvimento da pesquisa, o que leva a entender não se tratar apenas de um método, mas de uma metodologia ou abordagem. Os autores citam quatro pontos essenciais que caracterizam essa abordagem. De acordo com eles, nos métodos mistos, o investigador: (i) recolhe e analisa rigorosamente dados qualitativos e quantitativos para responder a questões e hipóteses de pesquisa; (ii) integra, mistura ou combina as duas formas de dados e seus resultados; (iii) organiza estes procedimentos em designs de pesquisa específicos que vão fornecer a lógica e os procedimentos para a condução do estudo; e, por fim, (iv) enquadra estes procedimentos em uma teoria e filosofia (Creswell & Plano Clark, 2018).
Tashakkori e Teddlie (2010), entre as características da abordagem multimétodo, destacam o foco na questão ou problema de pesquisa e a ênfase na diversidade de métodos, em todos os níveis da pesquisa, ou seja, o ecletismo metodológico, o pluralismo paradigmático, a importância do contínuo, mais do que da dicotomia, confiança em representações visuais (figuras, diagramas etc.) e sistemas de notação.
Creswell e Plano Clark (2018) também orientam a representar visualmente as pesquisas de métodos mistos por meio de um sistema de notação e diagramas procedimentais, para uma melhor compreensão do fluxo dos procedimentos e das características do design adotado. De acordo com os autores, o sistema de notação serve “to facilitate the discussion of mixed methods design features” (Creswell & Plano Clark, 2018, p. 61). No sistema de notação, são usadas as abreviaturas “quan” e “qual” para apontar as abordagens quantitativa e qualitativa, respectivamente. Ambas possuem o mesmo número de letras e formato, para indicar a igualdade de status das duas. Quando se quer indicar a prioridade de uma das abordagens dentro de uma investigação, usa-se letras maiúsculas na abreviatura da abordagem prioritária (QUAN e/ou QUAL) e minúsculas na secundária (quan e/ou qual). Se houver concomitância no uso das duas abordagens, usa-se o sinal de mais (+) e uma seta ( ), quando houver fases sequenciais. Essas notações foram expandidas por autores que trabalham com essa abordagem, surgindo depois outras notações, a exemplo de parênteses ( ) para indicar abordagens incorporadas dentro de uma estrutura maior e setas duplas ( ) para indicar abordagens implementadas de modo recursivo (Creswell & Plano Clark, 2018).
Os diagramas procedimentais, por sua vez, estão além do nível do sistema de notação e vêm sendo utilizados “to convey the complexity of mixed methods designs” (Creswell & Plano Clark, 2018, p. 64). Eles utilizam formas geométricas, quadradas e ovais, para ilustrar as etapas da investigação (recolha, análise e interpretação dos dados) e setas de linhas sólidas para indicar a progressão através delas. Os diagramas incorporam, ainda, detalhes sobre os procedimentos e produtos da investigação.
Para Tashakkori e Teddlie (2010, p. 272), um dos pressupostos fulcrais da pesquisa multimétodo é que ela “can provide a better (broader, more credible) understanding of the phenomena under investigation than a dichotomous qualitative/quantitative approach”, especialmente quando se trabalha com questões complexas que não são respondidas nem pela abordagem qualitativa nem pela quantitativa, isoladamente.
Creswell e Plano Clark (2018) reforçam que a complexidade dos problemas de investigação das áreas das Ciências da Saúde e Sociais exigem respostas que vão além daquelas dadas por uma abordagem isolada, seja ela quantitativa ou qualitativa, sendo necessário, assim, a combinação de ambas as formas de dados para a análise e compreensão mais completa de problemas de investigação complexos.
Nesse sentido, Johnson e Onwuegbuzie (2004) já haviam esclarecido que a finalidade da abordagem de métodos mistos na investigação não é substituir cada uma das abordagens, mas usar as duas de modo que os pontos fortes de uma neutralizem as fraquezas da outra, sendo este um dos argumentos utilizados na defesa da adoção da abordagem multimétodo, visto que todos os métodos de pesquisa possuem pontos fracos e vieses.
Desse modo, a razão para se adotar a abordagem de métodos mistos ou multimétodo neste estudo originou-se da natureza complexa do problema investigado - as modificações e agregações causadas pela pandemia e suas restrições nas práticas de ensino e aprendizagem com tecnologias digitais -, o que tornou o uso de apenas uma abordagem insuficiente para capturar tal complexidade.
Além disso, a combinação das duas abordagens possibilita obter um quadro mais completo, rico e detalhado do objeto investigado. Neste estudo, os dados quantitativos forneceram uma visão geral e em grande escala das práticas de ensino e aprendizagem com o uso de tecnologias digitais, e as mudanças por que elas passaram em razão da pandemia, e os dados qualitativos complementaram os dados quantitativos, aprofundando-os, e, com isso, permitiram uma melhor compreensão do problema de investigação, a partir das perspectivas dos gestores, professores e alunos do ensino médio da rede pública estadual do RN - Brasil.
Cada abordagem de investigação possui suas estratégias, designs ou métodos que servem para nortear os procedimentos e técnicas em um projeto de investigação. Creswell e Creswell (2018) apresentam uma classificação, como segue. Na abordagem quantitativa, cujos dados tendem a ser fechados, há os estudos experimentais (análise comportamental aplicada), quase-experimentais (experimentos de tema único) e não-experimentais (comparativo-causais, correlacionais, de levantamento etc.). Na qualitativa, que trabalha com dados abertos, pode-se citar a investigação fenomenológica, teoria fundamentada, etnografia, estudo de caso e investigação narrativa.
Já na abordagem multimétodo, adotada neste estudo, que envolve a combinação ou integração de dados quantitativos e qualitativos, Creswell e Creswell (2018) referenciam três designs básicos encontrados atualmente nas Ciências Sociais e da Saúde, embora existam muitos outros, e que podem ser usados em designs mais complexos: convergente, sequencial explanatório ou explicativo e sequencial exploratório.
O design convergente é aquele em que o investigador converge ou mescla dados quantitativos e qualitativos para fornecer uma análise abrangente do problema investigado. Ambos os dados são recolhidos ao mesmo tempo e as informações são integradas na interpretação dos resultados globais.
O design sequencial é aquele em que a pesquisa é desenvolvida sequencialmente, sendo os resultados de um método expandidos ou elaborados a partir dos de outro método. A depender da sequência, pode ser: sequencial explanatório ou sequencial exploratório.
No design sequencial exploratório, o investigador realiza, na primeira fase do estudo, procedimentos qualitativos, para explorar temas ou pontos de vista dos participantes. Analisa os dados e os resultados obtidos servem para construir a segunda fase, com procedimentos quantitativos e uma amostra maior, com vistas a generalizar os resultados.
Por sua vez, o design sequencial explanatório, que interessa a essa investigação, “is one in which the researcher first conducts quantitative research, analyzes the results and then builds on the results to explain them in more detail with qualitative research” (Creswell & Creswell, 2018, p. 52). É explanatório porque os resultados dos dados quantitativos serão explicados posteriormente por meio dos dados qualitativos.
Nesse estudo, foi adotado o design sequencial explanatório. Para um melhor detalhe do fluxo dos procedimentos adotados nas duas fases do estudo e produtos obtidos, foi elaborado um diagrama procedimental, visualizado na Figura 2.
Figura 2
Diagrama Procedimental do Design Sequencial Explanatório
Nota. Adaptado de Creswell e Plano Clark (2018, p. 327).
Como mostra a Figura 2, na primeira fase da investigação, fase quantitativa, foi aplicado um questionário online a gestores, professores e estudantes (3 versões) do ensino médio da rede pública estadual do RN, aos que aceitaram participar da investigação, sobre as práticas de ensino e aprendizagem remotas durante o período pandêmico, de abril de 2020 a outubro de 2021. Com base nos resultados quantitativos, foram definidos os participantes da fase qualitativa seguinte, efetivada por meio de entrevistas individuais, junto a professores e gestores, e em focus group, junto aos estudantes, cujos resultados serviram para aprofundar os resultados da primeira fase.
A combinação da investigação quantitativa com a qualitativa ocorreu por meio da conexão entre a análise de dados da primeira fase e a recolha de dados da segunda, sendo que os resultados quantitativos foram utilizados para identificar os participantes da recolha dos dados da fase qualitativa subsequente. Após a análise dos dados qualitativos, foi realizada a integração dos resultados das duas fases.