7.1 Questão de Investigação I - Tecnologias Digitais utilizadas no ERE
7.1 Questão de Investigação I - Tecnologias Digitais utilizadas no ERE
Antes da pandemia, a utilização de tecnologias digitais fazia parte da rotina de mais da metade do grupo dos estudantes (51,4%) e do grupo dos professores (61,2%), porém apenas 17,3% do grupo dos gestores escolares investigados afirmaram utilizar estes artefatos.
Isto explica, em parte, o sentimento de despreparo de boa parte dos estudantes, professores e gestores para transitar para o ensino remoto no início da pandemia. Neste sentido, os gestores consideram que os professores estavam mais preparados do que eles/suas escolas e, surpreendentemente, do que os próprios estudantes, nativos digitais (Prensky, 2001).
Na análise comparativa sobre a perceção de preparo entre os grupos, os estudantes apresentaram uma média bem mais reduzida (M=1,03) do que os professores (M=1,20) e gestores (M=1,15), confirmando o sentimento de despreparo mais intenso por parte deste segmento.
Apesar de se ter verificado sentimento de despreparo entre os três grupos, apenas entre os grupos Estudante/Professor, se encontrou diferença com significância estatística [(DM = -,172, IC 95% BCa (-,293 – -,053)], indicando que, no início da pandemia, os professores se sentiam mais preparados para as aulas remotas do que os estudantes, possivelmente porque, como referido, mais da metade dos docentes já fazia uso das TD antes da pandemia, também para fins pedagógicos.
A falta de preparação para transitar para o formato de ensino remoto foi atribuída, pelos três grupos, à ausência de formação e de conhecimento para manusear as tecnologias digitais e, ainda, principalmente, à falta de acesso aos recursos digitais (dispositivos e internet), especialmente no caso dos estudantes.
A falta de conhecimento para utilizar os recursos digitais e de acesso a eles afetou de forma mais contundente os estudantes que residiam na zona rural e aqueles com deficiência/necessidades especiais, conforme relataram os participantes.
A impreparação identificada revelou-se consistente tanto com estudos nacionais (Aguiar et al., 2020; Cetic, 2021, 2022; Cipriani et al., 2021; Galizia et al., 2022; Godoi et al., 2021; Instituto Península, 2020; Rocha et al., 2020; Santos & Lacerda Júnior, 2022; Vaz et al., 2021), também desenvolvidos no contexto campesino (Friedrich et al., 2021; Oliveira et al., 2023), quanto com os estudos internacionais (Drijvers et al., 2021; Scully et al., 2021; Starks, 2022). Nestes estudos, a falta de acesso aos recursos digitais, especialmente internet, e de preparação para o uso das TD, inclusive em estudo com crianças com necessidades especiais, como o de Starks (2022), também constituíram barreiras para realizar/participar de aulas remotas, chegando inclusive a comprometer a qualidade do ensino e da aprendizagem e gerar insegurança nos professores sobre a própria formação profissional.
Por outro lado, o estudo desenvolvido com professores de vários países do continente europeu pelo Projeto Scientix (Bilgin et al., 2022), cujo instrumento a presente investigação utilizou (após adaptação), mostrou um resultado inverso ao desta investigação quanto ao nível de preparação, pois 52% dos professores relataram que a sua escola estava, em certa medida ou mesmo muito bem apretechada tecnologicamente para mudar para o ensino a distância, havendo, inclusive, países que já utilizavam esta modalidade de ensino antes da pandemia, o que facilitou a transição para o ERE.
Esta realidade não se encontrava no Brasil. O Relatório Guia EduTec (CIEB, 2022) evidenciou que, relativamente à adoção de tecnologias, as escolas públicas brasileiras não estavam preparadas, pois ainda se encontravam, à altura, no nível mais básico em termos de infraestrutura (conexão à internet, número de dispositivos e qualidade dos equipamentos).
Por sua vez, além da falta de preparo, a falta de acesso a dispositivos e internet, maior desafio enfrentado pelos respondentes das escolas estaduais de ensino médio do RN durante o ERE, limitou o uso das TD, a participação nas aulas e atividades remotas e impediu a realização de práticas pedagógicas remotas diversificadas, situação semelhante à encontrada no estudo de Santos e Lacerda Júnior (2022). A proporção de estudantes sem acesso aos recursos digitais (computador, celular/smartphone, internet na residência) ou com acesso limitado (internet de baixa qualidade) foi bem mais elevada (75,4%) do que a proporção de professores (41,8%) e gestores (37,3%), indicativo de uma exclusão digital mais expressiva no segmento estudantes.
Relativamente à realização de formação para o uso dos artefatos digitais e estratégias direcionadas para o ensino remoto durante a pandemia da Covid-19, na comparação entre os três grupos, o estudo revelou significância estatística nas diferenças encontradas apenas entre os pares estudante/professor e estudante/gestor. A perceção dos estudantes sobre a participação em formações durante o ERE (M=,27) foi inferior à dos professores (M=,58) e gestores (M=,68).
Contudo, antes da pandemia, apenas professores (21,9%) e gestores (30,7%) afirmaram ter participado de capacitação para o uso das TD, provavelmente pela necessidade de formação contínua exigida nessa profissão (Almeida, 2020; Pretto et al., 2021). Em suma, a ausência de formações também se revelou um desafio no ERE para estudantes, professores e gestores das escolas do RN.
Em âmbito nacional e internacional, os resultados não foram diferentes, já que pouco mais da metade de educadores (professores e gestores) do ensino médio (63%) participaram de formações durante o ERE, segundo o Instituto Península (2020), e, no estudo de Bilgin et al. (2022), menos da metade dos docentes (44%) afirmaram ter participado de cursos de formação sobre o uso de TD, embora 28% tenham realizado cursos sobre ensino a distância, diferentemente dos resultados da presente investigação.
Diante deste quadro, no que toca às tecnologias digitais utilizadas como apoio pedagógico nas escolas de ensino médio da rede pública estadual do RN durante o ERE, elas foram bastantes e diversificadas, ainda que os respondentes tenham inicialmente utilizado, em razão do despreparo e da exclusão digital, o que era mais familiar e acessível.
Neste sentido, os resultados evidenciam que, em termos de dispositivos, o celular/smartphone, seguido do notebook, ficaram no topo da lista de todos os segmentos investigados. Os fatores que contribuíram para a predominância do uso do celular, relatados pelos respondentes, foram a falta de acesso a outros dispositivos (exclusão digital), notadamente por parte dos alunos, e a acessibilidade, familiaridade e praticidade deste recurso, já que fazia parte da rotina dos participantes antes da pandemia da Covid-19, além de ser multifuncional, permitindo a realização de várias tarefas.
Comparando-se os scores médios dos três grupos, apenas entre os pares gestor/estudante e estudante/professor foram encontradas diferenças significativas. Em ambos os pares, uma proporção maior de professores (M=,86, para celular/smartphone; M=,81, para notebook) e de gestores (M=,83, para celular/smartphone; M=,71, para notebook) indicou ter utilizado celular/smartphone e notebook em relação aos estudantes (M=,69, para celular/smartphone; M=,27, para notebook).
Relativamente ao baixo score do uso do notebook pelos estudantes, acredita-se que a razão se encontra na falta de acesso já referida, causada pela vulnerabilidade socioeconômica deste grupo.
Este resultado também está em conformidade com a maioria dos estudos que compuseram a literatura revista (Aguiar et al., 2020; Negrão & Neuenfeldt, 2022; Oliveira et al., 2023; Oliveira & Amancio, 2021; Santos & Lacerda Júnior, 2022;; Starks, 2022; Vaz et al., 2021), os quais apontam o celular/smartphone como o recurso mais utilizado pelos professores e alunos nas atividades remotas, principalmente para comunicar, enviar e receber atividades, também pelos motivos já mencionados. Outras investigações sobre o uso das TD na pandemia no Brasil atestaram igualmente o uso do celular como predominante no ERE, sobretudo nas classes economicamente menos favorecidas (CETIC.BR, 2020; CETIC.BR, 2021a; CETIC.BR, 2022a; Instituto Península, 2020).
Já em termos de aplicações utilizadas, nos três segmentos predominaram os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA), aplicativos de webconferência e grupos de mensagens. Constatou-se, contudo, diferenças quanto à utilização de cada um destes recursos entre os três grupos.
No que toca aos estudantes, os Ambientes Virtuais de Aprendizagem, especialmente SigEduc e Classroom, ocuparam o topo da lista (62%), seguidos dos grupos de mensagens, com ênfase no WhatsApp (56,2%), e dos aplicativos de webconferência, como Google Meet, Zoom e Microsoft Teams (53,3%).
Quanto aos professores e gestores, os grupos de mensagens destacaram-se, especialmente o WhatsApp, com 87,3% e 85,3%, respetivamente. Apesar de não estarem no topo, os aplicativos de webconferência foram apontados por 69,6% dos professores e 80% dos gestores, percentuais bastante altos, seguidos dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem, cujo uso foi indicado por 68,8% dos professores e 73,3% dos gestores, respetivamente.
Ao se comparar as médias dos três grupos em relação ao uso de Ambientes Virtuais de Aprendizagem, grupos de mensagens e aplicativos de webconferência, verificou-se diferenças estatísticas significativas entre os pares estudante/professor e estudante/gestor.
Neste sentido, no que toca à utilização de AVA, grupos de mensagens e plataformas de webconferência nas atividades remotas, os estudantes apresentaram scores médios inferiores (M=,62; M=,56; M=,53, respetivamente) aos dos gestores (M=,73; M=,85; M=,80, respetivamente) e professores (M=,80; M=,87; M=,70, respetivamente), representativos de uma menor utilização destes recursos por parte deste segmento. De acordo com os três grupos respondentes, a diferença relaciona-se, principalmente, com a exclusão digital vivenciada por grande parte dos estudantes. Porém, acresce-se a isto a perceção mais limitada do uso de TD por parte dos discentes, que refere apenas ao seu uso privado, enquanto a visão dos gestores e professores é mais ampla.
Assim como o celular/smartphone, o WhatsApp foi bastante utilizado nas escolas investigadas, por já ser conhecido e fazer parte da rotina dos alunos, professores e gestores antes da pandemia, sendo, portanto, familiar, acessível e de fácil manuseio. Por isto, no início da pandemia, segundo relatos dos respondentes, ele foi o primeiro recurso a ser utilizado para realizar as atividades remotas, servindo tanto para facilitar a comunicação quanto para realizar tarefas pedagógicas (produção de vídeo e outros conteúdos, envio e recebimento de materiais e atividades, etc.). Em seus relatos, os estudantes admitiram nunca ter utilizado o WhatsApp para fins pedagógicos antes do ERE, constituindo esta uma mudança agregada nas práticas de aprendizagem deste grupo no ERE.
Estes resultados harmonizam-se com investigações internacionais (Dias-Trindade et al., 2020; Hu et al., 2021; Starks, 2022) e nacionais (Aguiar et al., 2020; Galizia et al., 2022; Godoi et al., 2021; Negrão & Neuenfeldt, 2022; Oliveira et al., 2023; Oliveira & Amancio, 2021; Santos & Lacerda Júnior, 2022; Souza & Vasconcelos, 2021), que identificaram igualmente o uso do WhatsApp como um dos principais recursos digitais utilizados nas práticas escolares durante o ensino remoto.
Logo, constata-se que, com relação às cinco tecnologias digitais mais utilizadas durante o ERE - celular, notebook, AVA, grupos de mensagem e aplicativos de webconferência -, os estudantes apresentaram uma utilização inferior aos gestores e professores. O fator principal para explicar esta diferença é a falta de acesso dos estudantes aos recursos digitais durante a pandemia da Covid-19, constatada nos resultados quantitativos e qualitativos, e já recorrentemente comentada ao longo deste estudo, e, quanto aos professores e gestores, a obrigatoriedade associada ao exercício das funções docentes e de gestão (responsabilidade não imposta aos estudantes).
Os resultados acima apresentados são consistentes com as conclusões da investigação desenvolvida pelo Projeto Scientix (Bilgin et al., 2022). Nelas, as plataformas de colaboração – o estudo incluiu nesta classificação o WhatsApp (grupos de mensagens) e aplicativos de webconferência – foram mencionadas como as ferramentas com o segundo mais alto percentual de uso durante o ensino remoto (72%), seguidas dos sistemas de gerenciamento da aprendizagem – inclusive os AVA, como SigEduc, Classroom, Moodle, Edmodo, etc. –, que também foram altamente utilizados (66%). As TD mais utilizadas no estudo europeu foram as ferramentas de criação de conteúdo digital.
Diante do exposto, pode-se concluir que a inserção e manutenção de diferentes tecnologias digitais nas práticas de ensino e aprendizagem escolares durante e após o ERE constituiu, per si, mudança e inovação (Messina, 2001).
Embora não se enquadrem como tecnologias digitais, os materiais impressos também foram bastante utilizados no ERE, como solução para os alunos que não tinham acesso ou tinham acesso limitado aos recursos digitais.
Surpreendentemente, apenas 19,6% dos estudantes afirmaram ter utilizado materiais impressos durante a pandemia, mesmo diante da alta proporção de estudantes (54,3%) que assinalou não ter acesso a dispositivos e internet. Inversamente, foram os professores e gestores que apresentaram os percentuais mais elevados quanto à utilização de materiais impressos (48,5% e 69,3%, respetivamente). Releva-se que os altos percentuais dos professores e gestores são justificados, aqui também, pela amplitude de perspetiva: enquanto os professores referem a sua exclusão digital e de seus alunos, os gestores referem a sua, da escola, dos professores e dos estudantes.