CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 1 INTRODUÇÃO
No início de 2020, o mundo passou por uma disrupção sem precedentes na história da humanidade em razão da Covid-19. A vida em sociedade, em seus vários aspetos (saúde, educação, política, segurança, comércio, etc.), foi fortemente impactada e alterada. Modos de viver, interagir, trabalhar, estudar, ensinar, se comunicar, mover de um lugar para o outro foram profunda e irrevogavelmente afetados. Segundo relatório do Committee for the Coordination of Statistical Activities - CCSA (2020), a Covid-19 virou o mundo de cabeça para baixo.
A Covid-19 (Coronavirus Disease) e o vírus SARS-CoV-2 (Severe Acute Respiratory Syndrome Coronavirus 2), responsável por causá-la, foram assim nomeados pela
Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus (ICTV), em 11 de fevereiro de 2020 (OMS, 2024). Estes foram os motores propulsores deste processo, sendo, assim, responsáveis por consideráveis mudanças de paradigmas.
Porém, de acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS, n.d.), já no final de 2019, a OMS foi alertada sobre vários casos de pneumonia na cidade de Wuhan, China, o que se verificou ser, na verdade, um novo tipo de coronavirus ainda não identificado em seres humanos. Em 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou o surto do novo coronavirus como Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII). Com a escalada vertiginosa de surtos em todo o mundo, em 11 de março de 2020, a OMS declarou a Covid19 uma pandemia, por já existirem surtos da doença em várias regiões do mundo, recomendando para sua contenção, entre outras medidas, o distanciamento social (OPAS, n.d.).
A eclosão histórica da pandemia da Covid-19 veio a atingir proporções inimagináveis. A vida, tal qual conhecida, foi reconfigurada. Contudo, as rodas da história tinham que continuar a girar. O confinamento social afetou instituições em todo o mundo.
Na seara educacional, a necessidade de prevenir a propagação do vírus e mitigar seu impacto levou ao fechamento massivo das instituições de ensino. Em abril de 2020, escolas e universidades de 192 países haviam fechado e interrompido aulas e atividades presenciais, afetando quase 1,6 bilhão de estudantes, correspondendo, à altura, a 90% da população estudantil mundial. Dos quase 1.6 bilhão de estudantes afetados globalmente, 537 milhões estavam matriculados no ensino médio e mais de 160 milhões (11%) eram oriundos da América Latina e Caribe, conforme relatórios do CCSA (2020) e da Economic Commission for Latin America and the Caribbean (ECLAC) e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO (ECLAC & UNESCO, 2020a).
Para responder à crise em meio ao fechamento das instituições de ensino e garantir a continuidade da aprendizagem dos estudantes, os órgãos educacionais de vários países mobilizaram uma enorme variedade de recursos e modalidades que não utilizam tecnologia, mas também modalidades de baixa e alta tecnologia, no intuito de “levar os conteúdos de aprendizagem do ambiente escolar para as casas dos estudantes” (UNESCO, 2020, p. 1).
De acordo com o relatório “Education in the time of Covid-19”, publicado em 13 de agosto de 2020 pela ECLAC e UNESCO, abordando os desafios na educação causados pela pandemia da Covid-19 na América Latina e Caribe, a disrupção do ano letivo, com a interrupção das aulas presenciais, significou uma oportunidade de adaptação e inovação dos sistemas de ensino, porém também acentuou as disparidades educativas preexistentes na região, de acesso, equidade e qualidade, afetando especialmente os grupos mais vulneráveis (ECLAC & UNESCO, 2020a).
As TIC, notadamente as Tecnologias Digitais (TD), já vinham exercendo um papel primordial em todos os setores da sociedade. Durante a crise gerada pela pandemia da Covid19, sua importância ampliou-se e consolidou-se, tendo sido utilizadas de forma intensiva nas atividades educacionais, econômicas, de saúde, profissionais, de entretenimento e comunicacionais, para manter o contato com amigos e parentes (ECLAC & UNESCO, 2020b).
ECLAC e UNESCO, em relatório especial publicado em 26 de agosto de 2020 “Universalizing access to digital technologies to address the consequences of Covid-19” -, apontaram o papel fundamental das tecnologias digitais na pandemia na redução do impacto das medidas para conter o vírus, considerando que facilitaram o distanciamento físico e permitiram que o sistema socioeconômico se mantivesse até certo ponto viável, concretizando em poucos meses um progresso que era esperado para anos (ECLAC & UNESCO, 2020b).
O relatório indicou ainda que, entre o primeiro e o segundo trimestres de 2020, o tráfego na web e o uso de aplicativos para teleworking, ensino a distância e compras online aumentaram de modo significativo na região da América Latina e do Caribe, tendo o ensino a distância crescido mais de 60%. No caso do ensino a distância ou remoto, o documento citou como obstáculos concretos as limitações de acesso a dispositivos e internet e de velocidade da rede, aprofundando as desigualdades. Na região referida, mais de 32 milhões de crianças não tinham acesso à internet, estando, portanto, excluídas da educação (ECLAC & UNESCO, 2020b).
No Brasil, contexto da presente investigação, considerando a mitigação dos impactos negativos das medidas de isolamento social na aprendizagem dos estudantes e a continuidade da oferta à educação, direito preconizado no art. 205 da Constituição de 1988 (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988), o Ministério da Educação do Brasil (MEC), por meio da Portaria nº 343 de 17 de março de 2020, autorizou a substituição das aulas e atividades escolares presenciais por aulas e atividades em meios digitais, mediadas pelas Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), enquanto durasse a situação de pandemia da Covid-19 (Portaria nº 343/2020). Isto fez com que as escolas brasileiras de Educação Básica suspendessem suas aulas presenciais e adotassem o Ensino Remoto Emergencial (ERE).
Logo em seguida, em 18/03/2020, o Conselho Nacional de Educação (CNE) abordou os sistemas e redes de ensino, de todos os níveis, etapas e modalidades, sobre a necessidade de reorganizar as atividades acadêmicas devido a ações preventivas à propagação da Covid19. Em decorrência disso, os Conselhos Estaduais e Municipais de Educação emitiram resoluções e/ou pareceres orientando as instituições de ensino de seus respectivos sistemas sobre a reorganização do calendário escolar e o uso de atividades não presenciais (Parecer CNE/CP nº 5/2020).
Em 28/04/2020, por meio do Parecer CNE/CP nº 5/2020, o CNE aprovou a reorganização do Calendário Escolar e a possibilidade de computar atividades não presenciais (mediadas ou não por TD) para fins de cumprimento da carga horária mínima anual, em razão da Pandemia da Covid-19, além de sugerir estratégias para o ERE (Parecer CNE/CP nº 5/2020).
Nas escolas brasileiras, a migração de um ensino predominantemente presencial para um ensino totalmente remoto não foi um processo simples, apesar das diretivas oficiais. Um estudo realizado pelo Instituto Península, em abril e maio de 2020, com 7.734 professores das redes públicas e particulares da Educação Básica brasileira, revelou que, além da falta de acesso às tecnologias digitais e à internet por boa parte dos professores e alunos, 88% dos docentes nunca tinham dado aula remotamente e que 83,4% se sentiam nada ou pouco preparados para trabalhar nesse formato (Instituto Península, 2020).
Ainda que os debates sobre a presença e relevância das TD na educação não sejam mais novidade, percebe-se que os reveses enfrentados ao longo da pandemia da Covid-19, como a exclusão digital, lançaram novos holofotes sobre o papel das tecnologias nas práticas de ensino e aprendizagem, evidenciando novos desafios e caminhos a serem trilhados para uma eficaz implementação destes recursos na sala de aula, presencial ou virtual.
As tecnologias digitais romperam paradigmas e abriram possibilidades de informação, comunicação e interação sem precedentes na história da humanidade, provocando intensas e contínuas transformações na sociedade e na educação, tais como: redes sociais virtuais, hipertexto, ubiquidade, conectividade, produção e compartilhamento de conteúdo em rede, rotas múltiplas de navegação textual quebrando a linearidade padrão, aprendizagem em todo lugar e a toda hora, etc.
A escola, segmento desse universo social, também sofre os reflexos da presença das tecnologias na sociedade, já que seu público-alvo são crianças e adolescentes que nasceram imersos nesse universo midiático. Portanto, dela já se demandava a incorporação das tecnologias na sala de aula antes da pandemia, afinal, enquanto produtora de conhecimento, deve estar à frente de toda mudança que o envolva. Apesar da exclusão digital e do despreparo de professores e estudantes (Instituto Península, 2020), a incorporação das TD nas práticas escolares tornou-se real com a pandemia e o forçado isolamento social por meio da adoção do ensino remoto.
Embora vários estudos sobre os impactos da pandemia da Covid-19 na educação tenham sido desenvolvidos desde sua eclosão, em 2020, a revisão de literatura realizada evidenciou algumas lacunas relativamente às mudanças causadas pela pandemia nas práticas de ensino e aprendizagem, despertando o interesse em saná-las: pouca ênfase nas práticas avaliativas, população investigada centrada no professor, com poucos estudos abordando a experiência de estudantes e gestores escolares, estudos com instrumento de recolha de dados restritos apenas a um tipo, em geral, questionário, limitando, assim, a compreensão do fenômeno.
Deste modo, parece pertinente e certamente ainda atual, investigar, por meio da abordagem multimétodo, as mudanças causadas pela pandemia da Covid-19 e suas restrições nas práticas de ensino e aprendizagem, quanto ao uso das tecnologias digitais, a partir da perceção de estudantes, professores e gestores escolares do ensino médio.
Sendo o Brasil um país imenso, optou-se por investigar o Rio Grande do Norte (RN), estado localizado no Nordeste do país, por ser esta a região onde a investigadora reside e onde atua há vários anos como professora na formação contínua de docentes para a inserção das tecnologias na sala de aula.
Com base no problema e objeto do estudo - “as restrições impostas pela pandemia da Covid-19, notadamente o ensino remoto, modificaram as práticas de ensino e aprendizagem dos principais agentes escolares (gestores, professores e estudantes) do ensino médio da rede pública estadual do Rio Grande do Norte (RN) - Brasil, relativamente ao uso das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação? -, as questões de investigação focaram-se na verificação (i) das tecnologias digitais utilizadas para mediar as aulas e atividades remotas, (ii) das práticas de ensino e aprendizagem remotas desenvolvidas, averiguando o que mudou ou foi agregado, e (iii) da perceção dos estudantes, professores e gestores escolares sobre a intenção de continuidade de uso das tecnologias digitais e práticas incorporadas durante o ERE no pós-pandemia.
Saliente-se que os resultados obtidos foram cotejados com aqueles encontrados na literatura revisada e em estudos desenvolvidos por órgãos internacionais e nacionais reconhecidos (CETIC.BR, CIEB, Instituto Península, Projeto Scientix, UNESCO, etc.). Além disso, buscou-se suporte teórico em autores que discutem a relação entre tecnologias, sociedade e educação (Moran, 2013, 2017, 2022; Nóvoa & Alvim, 2020; Prensky, 2001; Pretto et al., 2021; Pretto & Bonilla, 2022; Valente & Almeida, 2020; Valente & Almeida, 2022), quer no debate sobre inclusão digital (Bonilla & Oliveira, 2011; Bonilla & Pretto, 2011; Castells, 2002, 2003; Lemos, 2011), formação de professores para o uso de tecnologias (Almeida, 2020; Koehler et al., 2014; Pedro et al., 2023) e avaliação da aprendizagem (Dorotea & Pedro, 2015; Luckesi, 2011, 2021; Oliveira & Amante, 2016; Silva, 2016; Torres & Marriott, 2016). Messina (2001) embasou os conceitos de mudança e inovação discutidos no estudo.
Para uma descrição rigorosa do percurso seguido nesta investigação, o texto foi estruturado em sete capítulos:
CAPÍTULO 1 - INTRODUÇÃO
CAPÍTULO 2 - ENQUADRAMENTO
CAPÍTULO 3 - REVISÃO SISTEMÁTICA DE LITERATURA
CAPÍTULO 4 - OBJETIVOS, PROBLEMA E QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO
CAPÍTULO 5 - METODOLOGIA
CAPÍTULO 6 - APRESENTAÇÃO, ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS.
CAPÍTULO 7 - CONCLUSÕES E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na Introdução (i), apresenta-se resumidamente a investigação, problema e questões investigadas, e o contexto que a motivou (pandemia da Covid-19), no âmbito mundial e brasileiro. O Enquadramento (ii) discute brevemente a presença da Tecnologias da
Informação e Comunicação na educação brasileira, diferencia os termos Educação a Distância (EaD) e Ensino Remoto Emergencial (ERE) e contextualiza o ERE no estado do Rio Grande do Norte, lócus da investigação.
No capítulo da Revisão Sistemática de Literatura (iii), procede-se à apresentação do problema de investigação que a norteou, a descrição minuciosa dos procedimentos metodológicos adotados para sua realização, a apresentação e discussão dos resultados e as conclusões. Segue-se a apresentação dos Objetivos, Problema e Questões de Investigação (iv) que direcionaram o estudo.
O capítulo seguinte trata da Metodologia (v). Nele, é feita a caracterização da investigação, com a apresentação da abordagem, método, técnica e instrumentos de recolha, organização, análise e interpretação dos dados. Juntamente com os instrumentos de recolha dos dados utilizados (questionário online e entrevistas individuais e em focus group), são apresentados os resultados dos testes de validação dos referidos instrumentos e os procedimentos adotados para a recolha, organização e análise dos dados quantitativos e qualitativos.
Considerando a natureza complexa do problema estudado e intentando obter uma descrição mais rica e detalhada do objeto investigado, optou-se pela abordagem multimétodo ou de métodos mistos, que combina dados quantitativos e qualitativos. O design adotado foi o sequencial explanatório, sendo o estudo dividido em duas fases: a primeira, com a recolha e análise dos dados quantitativos, seguida da segunda, com a realização de procedimentos qualitativos (Creswell & Creswell, 2018). Para a organização e análise dos dados, utilizou-se a Estatística Descritiva e Inferencial, com o suporte do software SPSS, e a Análise Temática (AT), na perspetiva de Braun e Clarke (2006), com o apoio do software NVivo.
No percurso metodológico, procede-se, ainda, à apresentação dos perfis dos participantes do estudo: estudantes, professores e gestores das escolas de Ensino Médio do estado do Rio Grande do Norte – Brasil. E, por fim, as questões éticas assumidas no estudo.
Os capítulos seguintes abordam a Apresentação, Análise e Discussão dos Resultados (vi) e as Conclusões e Considerações Finais (vii). Este último capítulo traz a síntese dos resultados do estudo, em resposta às questões de investigação, e discorre sobre as implicações práticas da investigação, suas limitações e sugere, ainda, questões para futuras investigações.